Monsenhor Saldanha está há oito anos em Roma, mas continua a ter “morada permanente” nos Açores
Monsenhor António Saldanha, é um dos mais jovens sacerdotes ao serviço da Congregação para a Causa dos Santos e um dos dois açorianos a desempenhar funções na Cúria romana, no Vaticano, onde vive há oito anos.
Aliás, sempre que é necessário “abrir uma porta” junto da Santa Sé, dos dois nomes que invariavelmente surgem logo, um deles é o do Padre Saldanha, nascido no Faial, formado no Seminário Episcopal de Angra mas “cidadão romano” por dever de ofício.
“Gosto imenso da cidade mas também sei que não é a minha casa pois a minha morada permanente é nos Açores” diz logo para início de conversa.
“Sinto-me bem em termos de trabalho; a cidade é fantástica e eu como fiz história da Igreja, encontro-me num ambiente onde até as pedras me falam; onde posso trabalhar fazendo pesquisas nos arquivos, nos museus ou nas casas que frequento, mas sempre como açoriano. Aliás, sempre que saio de Roma para um passeio, o termo de comparação para os meus pensamentos não é Roma mas os Açores…olho para a paisagem e procuro ver pontos de contacto com a paisagem açoriana, que está sempre em vantagem”, salienta o sacerdote em declarações ao Sítio Igreja Açores.
Atualmente existem dois açorianos a trabalhar na Cúria Romana: Monsenhor José Bettencourt, Chefe de Protocolo da Secretaria de Estado do Vaticano e Monsenhor Saldanha.
“Não sei até que ponto isso possa ajudar as ilhas e a diocese” questiona nesta conversa em Roma, depois da diocese de Angra ter estado representada na audiência geral do Papa através do Movimento de Romeiros de São Miguel que mereceu uma palavra de destaque do Papa Francisco.
“O poder na igreja é um serviço e isto não é um slogan é um facto” ressalva Monsenhor Saldanha reconhecendo que o facto de estar onde está “facilita contatos, sem dúvida” mas daí “a agilizar processos” vai um passo de gigante.
“Eu não represento a diocese de Angra na cúria mas toda a gente sabe que eu sou açoriano…e se não sabe eu digo, o que faz toda a diferença” não no sentido de “influenciar decisões mas no sentido de contribuir para que elas sejam tão fundamentadas quanto possível”, esclarece.
“Como padre e como padre português e açoriano, estou ao serviço da igreja em geral e da portuguesa em especial. É natural que quando surgem dossiês que se relacionam com estas realidades e seja necessário acrescentar alguma informação mais detalhada, até por uma questão de língua e de conhecimento, essa interpelação surja mas nunca na perspetiva de condicionar decisões neste ou noutro sentido”, sublinha lembrando que esta prática é transversal na Cúria, ou seja, “se há um problema com uma diocese de um determinado país é evidente que se for preciso algum esclarecimento mais informal se contactem os sacerdotes que estão na Cúria e são naturais desse mesmo país ou dessa diocese em concreto”.
Com 45 anos de idade, e depois de se ter formado no Seminário Episcopal de Angra, “onde tive muitos professores que podiam ombrear com os que tive em Roma”, prosseguiu estudos na Universidade Gregoriana, na capital italiana e atualmente trabalha na Congregação para a Causa dos Santos, onde desenvolve um “estudo jurídico” de todos os processos que chegam das diferentes dioceses espalhadas pelo mundo.
De há quatro anos para cá, é o coordenador do curso destinado aos postuladores das Causas dos Santos, que são as pessoas que depois vão trabalhar nas diferentes causas, nas dioceses.
É por ele, por exemplo, que poderá “passar” para apreciação o processo da Madre Teresa da Anunciada, se alguma vez chegar a Roma, devidamente instruído.
“Em relação a Portugal sei que existem algumas causas em curso. Temos figuras muito interessantes no país e nota-se que, nos últimos anos, tem crescido o interesse sobre essas figuras, mas o andamento das causas depende muito do empenho das dioceses e dos postuladores que as representam, que podem ser leigos o que, no caso português, não acontece porque a maior parte dos postuladores é constituída por padres ligados à diocese ou a ordens religiosas”, disse ao Sítio Igreja Açores Monsenhor Saldanha.
Sobre as “causas dos Açores”, existem “algumas” desde logo a “do nosso padroeiro, o Beato João Batista Machado”, mas “como está ligado à Companhia de Jesus, o andamento do processo depende da Companhia”, lembra o sacerdote sublinhando que “como é um beato é necessário um milagre para a sua canonização”.
Quanto a outras “são apenas potenciais causas porque não existem formalmente. Podem até estar a ser preparadas a nível diocesano, o que parece ser o caso da Madre Teresa da Anunciada, mas ainda não chegou nada à Congregação, em termos formais”, adianta Monsenhor Saldanha que conhece a figura da Madre Teresa da Anunciada “porque sou açoriano e não porque trabalho na Congregação da Causa dos Santos”.
Aliás, este sentimento de açorianidade acompanha-o ao longo de toda a conversa com o Sítio Igreja Açores.
“É lá que estão as minhas raízes; foi lá que cresci e me preparei para uma missão concreta… pároco antes de mais”, mas hoje vê que só essa formação, “por melhor que seja e é” não chega, como não chegou “e o empurrou” para Roma.
O laicado “é mais exigente” e ter hoje uma licenciatura “é o mínimo” por isso, qualquer sacerdote, deveria “poder passar por esta experiência”, em Roma ou noutro lado qualquer.
“Qualquer padre deve ter uma formação espiritual e intelectual superior. O mundo mudou muito. Nós que somos os homens da palavra, do diálogo, da comunicação não nos fica mal ter cultura”, diz com toda a convicção.
“Há imensas vantagens em formar padres junto das comunidades que vão servir, até porque cada diocese tem os seus problemas, as suas soluções e uma linguagem própria, a sua simbologia e tradições, para mais ilhas” diz reconhecendo que “tem todo o sentido fazer um percurso formativo nas ilhas, mas era bom que se pudesse sair”.
A viver há oito anos na cidade eterna, Monsenhor Bettencourt já conviveu com três pontificados, “todos diferentes” mas a “estrada da igreja já leva dois mil anos e todos à sua maneira se centraram naquilo que é essencial”, sublinha.
“O Papa Francisco tem imensas qualidades e, de entre elas, destaco o facto dele ir ao essencial Deus e o Homem, não as estruturas, não os interesses económicos e políticos, mas o ser humano e a sua dignificação e isso é fantástico porque o mundo precisa de um homem que fale com gestos, que é o que faz o atual Papa”.