Por Renato Moura
Dois eventos recentes, de âmbito e localização absolutamente diversa, levaram-me a reflectir.
Um ocorreu durante a euforia da sagração do Benfica como 37.º campeão nacional de futebol, concretamente a fala do treinador Bruno Lage. Por recomendar que é preciso “começar a olhar para os nossos adversários e, quando eles ganharem, também lhes dar mérito”. Por ter vincado “que o futebol é apenas o futebol” e que “há coisas mais importantes na nossa sociedade e no nosso país pelas quais temos de lutar”. Pelo alerta às pessoas, pois “se unirem e tiverem a força e a exigência que têm no futebol nos outros aspectos do nosso Portugal, na nossa economia, na nossa saúde, na nossa educação, vamos ser um país melhor”.
Outro foi a concretização de um projecto, pelas “assistentes operacionais” da Escola Básica e Secundária das Flores, duma semana do Espírito Santo, com recitação do terço e alvoradas, num anfiteatro lindamente adornado em torno da Coroa e Bandeiras. Que foi mais além, pois culminou com cortejo para a Igreja abrilhantado por filarmónica e foliões, seguido de Eucaristia, terminando nos pátios da Escola, com o tradicional Jantar de Espírito Santo, lá confeccionado e servido, em mesas cuidadosamente decoradas, aos alunos de toda a ilha, a pais e professores, bem como às autoridades das Flores.
Nos tempos tão conturbados que vive o futebol, foi extraordinariamente importante a postura de Bruno Lage, apesar da vitória; ver um dos principais obreiros da conquista conservar a humildade e apelar ao espírito desportivo e à mudança de mentalidades.
Quando grassam as reivindicações dos trabalhadores, as lutas e as greves, de tantas classes profissionais, algumas vezes exageradas, por mais direitos e menos deveres, vimos trabalhadoras duma escola a organizarem-se espontânea e eficazmente, a carregarem-se de muito e perseverante trabalho, a reunirem apoios financeiros, materiais, institucionais, empresariais e pessoais, para persistirem na manutenção de uma tradição que, apesar de ancestral, vai perdendo adesões voluntárias.
Nem a fama dum cargo tolda o espírito. Nem a modéstia da condição profissional inibe a inspiração para criar e a coragem para realizar.
Creio que as duas ocorrências têm pontos comuns. Vimos um treinador – que não têm cargo político – construir cidadania; vimos assistentes – que não são professores – transmitir valores de cidadania herdados. O sucesso, de um e de outros, resultou da união pelas causas. Todos para além do dever que lhes impõem as funções; e lições edificantes.