Por Carmo Rodeia
Estar disponível para a mudança é sempre um sinal de despojamento. Significa que não estamos amarrados a nada. Muito menos à zona de conforto que, por vezes, não nos dá mais do que uma falsa ideia de segurança.
O Papa Francisco tem apelado nos últimos dias a uma “mudança global”.
Uma mudança no sistema económico que coloque a economia ao serviço dos povos e não o contrário; uma mudança de mentalidades que integre e não exclua, privilegiando sempre os mais fracos e os mais esquecidos; uma mudança de comportamento na relação com o outro, seja o irmão semelhante seja a irmã natureza; uma mudança de atitude que combata o individualismo triste assente na questão `qual é que é o meu ganho´, em cada uma das circunstâncias da vida ao invés da pergunta `o que posso eu fazer para melhorar a vida do meu irmão´…
Poderia continuar a elencar hipóteses e exemplos de mudanças necessárias, para que a vida fosse um pouco melhor para todos, que dificilmente encontraria um ponto final.
Por isso, centro-me apenas naquilo que é essencial.Para operar a mudança é preciso um outro “ingrediente” tão ou mais importante que o desejo: uma inabalável vontade, por vezes tão acomodada em pequenos e subtis subterfúgios.
Do ponto de vista individual quantos adiam uma decisão de vida, queixando-se da falta de meios para levar a cabo uma dada transformação ou aquela viragem desejada, determinante para uma mudança de rumo? Sobretudo porque receiam sair das zonas de conforto, da vidinha, milimetricamente gizada a régua e esquadro, imaginada, mas que pouco tem a ver com a realidade da vida que têm de viver?
A “mudança global” que o Papa nos tem proposto continuamente começa por aqui mas não pode ficar por aqui.
Não se trata de mudarmos, cada um de nós a nossa vida, mas da responsabilidade que temos de, cada um à sua maneira, contribuir para a mudança. Esse é o desafio que veio de Assis, no qual Francisco se inspirou e com o qual nos desinstala todos os dias: tomarmos decisões na nossa vida que possam melhorar o bem estar de todos.
Temos vivido suspensos pelo impasse da situação grega. À hora que escrevo há um acordo entre a Europa, os credores e a Grécia, apesar de muitas indefinições, desde logo, porque vários parlamentos nacionais terão de se pronunciar sobre o acordo alcançado entre os chefes de estado e de governo da zona euro. Inclusivé o de Atenas, sendo que daí já sopram ventos contrários.
Já aqui disse que a situação grega era bizarra e com culpas repartidas por ambos os lados, com prejuízos enormes para a população que passa “um inverno rigoroso”, sob todos os pontos de vista.
Mas o “inverno” da Grécia não é diferente do de Portugal, da Espanha, da Itália, do Chipre ou da Inglaterra.
Pode até ter sido a última vez que se chegou a um acordo. Mas chegou-se. Percebe-se que a unanimidade anunciada está colada “com cuspo”. Ao mínimo puxão lá se rasgará de novo. E, na Grécia, onde se precisa tanto dele, já começou o ensaio. Com novos subterfúgios: greve da função pública, eleições antecipadas…Antes na Europa, agora na Grécia, volta a faltar vontade para mudar.
As verdadeiras mudanças inventam os meios próprios para se operarem e fazem-se de pequenos gestos que estão longe do casulo que idealizamos, seja por ideologia ou por outra razão.
Na Grécia, tal como nas nossas vidas, precisaríamos todos de reaprender a tornar mais fecundo o nosso ponto de partida. Seja ele qual for.