Por Carmo Rodeia
Tomo de referência para este Entrelinhas, a assomar-se à Quaresma, o título do texto do padre José Júlio Rocha neste sítio Igreja Açores, na sua habitual crónica Moral da História: Décima sexta estação: Jesus morre de vergonha. Tenho para mim, que nunca antes como nestes dias, Jesus teve tantos discípulos sobre a terra que com ele morreram, roxos de vergonha, asfixiados por uma realidade ignóbil à qual só podemos dar como resposta a justiça e um pedido de perdão que tem ser mais, muito mais, que uma palavra.
Neste tempo que agora se inicia, de olhos postos na Páscoa, somos convidados a caminhar, numa espécie de revisão de vida, quantas vezes embriagada pela altivez dos nossos atos.
Todo o tempo é tempo de alguma coisa, mas este é, sobretudo, o tempo de olharmos para nós, especialmente para nós, não por qualquer atitude narcísica ou egoísta, mas para vermos de fora para dentro aquilo que fomos e somos todos os dias de um tempo que é a vida, um dom de Deus, que tantas vezes maltratamos. A nossa vida e a dos outros, que não respeitamos, que não cuidamos e que por vezes até abusamos, sem qualquer direito a não ser o da nossa sobranceira autorreferencialidade, alimentada por um poder que não temos mas a que achamos ter direito.
Vergonha é pouco, tal como o perdão.
É bom fazer uma visita à Tua sublime palavra, Senhor, e Contigo, morrer de vergonha pelo que não compreendemos, pelo que não fizemos, pelo que não Te seguimos.
Em que parte nos esquecemos que Entregaste a tua vida por nós, por todos e cada um, e nós respondemos-Te com tamanho abuso e dor…
É tempo de voltar ao silêncio da alma, beber cada Palavra Tua e aprender, de verdade, o que significa amar e dar a vida por amor.
Lembro-me de uma oração proposta pelo padre António Rego, a partir do Evangelho de Mateus (Mt18,3): (…)“Nunca permitas que nos desprezemos, mas que nos sintamos reflexo do teu amor. Mesmo quando pecadores. Faz-nos renascer, não pelo nosso orgulho ferido, mas pelo Teu sangue doado por nós”(…).
Não sei porquê, ou talvez saiba e não me queira lembrar agora, mas nos momentos de doença e de sofrimento, olho para Jesus e entendo o Seu sofrimento; olho para a cruz e ela é mais clara na minha vida. Estou bem ciente de que ninguém desejará o mal, mas quando confrontados com ele, somos remetidos para o nosso lugar que só pode ser o da nossa fragilidade, para evitarmos a raiva que nos consome e coloca até o essencial, em causa.
Talvez nesse momento, a nossa oração tenha mais força. E, na Quaresma a oração é um meio indispensável para o caminho.
No próximo sábado saem para a rua os Romeiros, em São Miguel. Três anos depois, além da alegria e da saudade do caminho, levam nas contas de cada rosário tantas intenções. Mobilizam-se interiormente de uma forma muito simples abrindo-se áquilo que Deus possa fazer por eles.
Carregam as dores da alma e despejam-nas no cansaço de um dia andado. Com paragem em todas as Igrejas e Capelas dedicadas a Nossa Senhora. No coração transportam os amigos, os pedidos, os agradecimentos. Uma semana de vida retirada e vivida no caminho e na celebração eucarística, ritmada pelas litanias do mestre, a experiência da vida em comunidade, a renúncia à vontade própria, a obediência ao mestre e a aceitação dos dramas da humanidade entregues ao procurador das almas.
Como eu gostaria de calçar estas sapatilhas , fazer-me à estrada, tomar o alforge do romeiro e já agora a consciência de um mendigo. Quanta estrada teria de calcorrear para alimentar o meu coração de caridade, de amor, de esperança e de fé…subir e chegar ao mais elevado de mim mesma, no gesto simples de humildade. E, por fim, chegar, cansada, mas com o coração em paz.
Boa e santa romaria, Irmãos.