Nova carta apostólica do Papa sublinha necessidade de acompanhar famílias e pessoas em sofrimento
O Papa publicou hoje uma nova carta apostólica, um dia após o final do Ano Santo extraordinário, na qual defende que a Igreja Católica nunca pode “pôr condições” à misericórdia de Deus.
“Nada do que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e não merecido”, escreve Francisco, num documento intitulado ‘Misericórdia e mísera’.
O documento alerta para a necessidade de respeitar a “plena liberdade do amor” com que Deus entra na vida de cada pessoa e sublinha que “mesmo nos casos mais complexos”, onde há a tentação de fazer prevalecer uma justiça que deriva apenas das “normas” é preciso acreditar “na força que brota da graça divina”.
“Deus não põe qualquer barreira a quantos O procuram de coração arrependido, mas vai ao encontro de todos como um Pai”, insiste o Papa.
“Misericórdia e mísera” (Misericordia et misera), o título da carta apostólica, são as duas palavras que Santo Agostinho utiliza para descrever o encontro de Jesus com a adúltera, relatado pelos Evangelhos, recordando que esta, à luz da lei do seu tempo, poderia ser apedrejada até à morte.
O episódio é escolhido pelo pontífice argentino como a imagem do Jubileu da Misericórdia, que os católicos de todo o mundo viveram entre dezembro de 2015 e novembro deste ano, contestando uma visão centrada na “lei e a justiça legal”.
“Não há lei nem preceito que possa impedir a Deus de reabraçar o filho que regressa a Ele reconhecendo que errou, mas decidido a começar de novo. Deter-se apenas na lei equivale a invalidar a fé e a misericórdia divina”, refere o Papa.
Nesta Carta Apostólica, Francisco manifesta a sua preocupação com o clima de “tristeza” que se vive em várias partes da sociedade contemporânea.
“Numa cultura frequentemente dominada pela tecnologia, parecem multiplicar-se as formas de tristeza e solidão em que caem as pessoas, incluindo muitos jovens”, adverte, no texto que assinala o final do Jubileu da Misericórdia (dezembro 2015-novembro 2016), o Ano Santo extraordinário encerrado solenemente este domingo no Vaticano.
Francisco alude a um futuro “refém da incerteza” e sem horizonte de estabilidade, gerando assim sentimentos de “melancolia, tristeza e tédio, que podem, pouco a pouco, levar ao desespero”.
“Há necessidade de testemunhas de esperança e de alegria verdadeira, para expulsar as quimeras que prometem uma felicidade fácil com paraísos artificiais”, defende.
A nova carta apostólica lembra a necessidade de apoiar as famílias nos momentos de “crise”, apresentando o matrimónio como “uma grande vocação”.
“A beleza da família permanece inalterada, apesar de tantas sombras e propostas alternativas”, sustenta o Papa.
Nas famílias, “lugar privilegiado da misericórdia”, existem dificuldades como “a traição e a solidão”, ou as preocupações dos pais com o “crescimento e formação” dos filhos, que exigem a atenção da comunidade católica.
“A experiência da misericórdia torna-nos capazes de encarar todas as dificuldades humanas com a atitude do amor de Deus, que não se cansa de acolher e acompanhar”, pode ler-se.
O documento fala num “vazio profundo” que pode ser preenchido pela esperança e pela alegria que nasce da fé.
“Nunca deixemos que nos roubem a esperança que provém da fé no Senhor ressuscitado. É verdade que muitas vezes somos sujeitos a dura prova, mas não deve jamais esmorecer a certeza de que o Senhor nos ama”, refere Francisco.
O pontífice argentino realça depois a importância de estar perto de quem sofre e de “enxugar” as suas lágrimas nos dias da tristeza e da aflição.
“Quanta dor pode causar uma palavra maldosa, fruto da inveja, do ciúme e da ira! Quanto sofrimento provoca a experiência da traição, da violência e do abandono! Quanta amargura perante a morte das pessoas queridas! E, no entanto, Deus nunca está longe quando se vivem estes dramas”, assinala.
Francisco elogia a capacidade de “silêncio” perante o sofrimento alheio, como um momento de força e de consolação.
Neste contexto, o Papa pede que a Igreja viva com particular atenção o “momento da morte”, na cultura contemporânea, como uma passagem que, “embora dolorosa e inevitável, é cheia de sentido”.
Francisco considera que este ano santo foi um “um tempo rico em misericórdia”, uma dimensão que deve continuar a ser “celebrada e vivida”.
“A misericórdia não se pode reduzir a um parêntese na vida da Igreja, mas constitui a sua própria existência, que torna visível e palpável a verdade profunda do Evangelho. Tudo se revela na misericórdia; tudo se compendia no amor misericordioso do Pai”, explica.
O documento sublinha a importância do perdão e apresenta a misericórdia como uma “ação concreta” que, no amor e no ato de perdoar, consegue mudar vidas.
“Como é triste quando ficamos fechados em nós mesmos, incapazes de perdoar! Prevalecem o ressentimento, a ira, a vingança, tornando a vida infeliz e frustrando o jubiloso compromisso pela misericórdia”, adverte.
Após um “ano intenso”, o Papa aponta ao futuro, para sublinhar a necessidade de continuar a “celebrar a misericórdia”, a começar pela Liturgia e a oração, num “verdadeiro diálogo entre Deus e o seu povo”.
“Termina o Jubileu e fecha-se a Porta Santa. Mas a porta da misericórdia do nosso coração permanece sempre aberta de par em par”, pode ler-se.
A carta apostólica ‘Misericordia et misera’ foi assinada publicamente este domingo, na Praça de São Pedro, após o final da Missa que encerrou o Jubileu da Misericórdia, 29.º Ano Santo na história da Igreja Católica.
(Com Ecclesia)