Professor de teologia moral no seminário episcopal de Angra falou ao final da manhã nas jornadas oncológicas pediátricas que decorrem no Hospital do Santo Espírito.
A partir de duas histórias- uma bíblica e outra da literatura, JOB (22º livro da Bíblia) e os Irmãos Karamazov de Dostoiévski- Júlio Rocha afirmou esta manhã que perante a dor e o sofrimento dos inocentes, seja pela doença, pela guerra ou pelo ódio racial, só a fé pode ajudar a ultrapassar os problemas.
“Nos meandros do mistério que envolve a vida e os seus arredores, a fé num Deus pessoal permite-nos vislumbrar que, nalgum lugar, haverá uma justificação para todas as lágrimas de todas as crianças, de todas as mães e pais, de toda a humanidade” disse o professor de Teologia Moral esta manhã, durante as jornadas de oncologia pediátrica que decorreram no Hospital do Santo Espírito, na Ilha Terceira, organizadas pelo Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
As jornadas contaram com a apresentação de vários estudos sobre o cancro pediátrico nos Açores e no país, à semelhança do que já tinha acontecido ontem em Ponta Delgada.
Nos últimos 15 anos registaram-se 199 novos casos de cancro entre crianças e adolescentes. No entanto, as estatísticas açorianas apontam para uma significativa redução da taxa de mortalidade, nos últimos 30 anos, de seis para dois óbitos anuais.
No essencial, a intervenção de Júlio Rocha procurou fazer uma analogia entre alguns casos da Bíblia e da literatura que podem servir de metáfora para explicar e compreender a existência humana, no que respeita á dor e ao sofrimento, nomeadamente quando confrontado com uma doença grave como é o caso do cancro.
De Dimitri (um dos irmãos Karamazov de Dostoiévski), condenado injustamente ao exilio na Sibéria depois de ter sido acusado pela morte do pai, a JOB um homem rico e abastado que perdeu os bens, a família e depois a saúde até ao médico de Albert Camus que ciente de que nada podia fazer para evitar a morte de todos mas que ainda assim resistia, Júlio Rocha defendeu que, perante a dor e o sofrimento, não vale a pena encontrar bodes expiatórios.
“O problema do mal, e sobretudo o do sofrimento do inocente, não pode ser teorizado. Qualquer tentativa de explicação lógica para o mal acaba em paradoxos, aporias, se não mesmo em graves atentados contra a dignidade de quem sofre. Certas teorias teológicas, cristãs ou não, sobre o sofrimento, como “a vontade de Deus” ou como “pagar os pecados” ou “um passo para a felicidade eterna”, contribuem para desautorizar a própria fé diante da grandeza e da incompreensibilidade do mal”, adianta o sacerdote.
Por isso, Júlio Rocha, apela à fé e, sobretudo à compaixão.
“Nesta luta reside o imenso manancial da solidariedade humana, do amor, dos gestos, da presença, da imensa linguagem do carinho e da amizade” porque “todos nós sabemos que grande parte da dor reside na solidão da dor. E acho que a mais obstinada e grave doença deste milénio, talvez a doença que marcará a nossa era, tem o nome da solidão. Morre-se de solidão”, concluiu o sacerdote.