Departamento de solidariedade e partilha do Serviço Diocesano da Pastoral Juvenil é uma das várias entidades que fornece a única refeição quente que cerca de 70 pessoas comem durante o dia na maior cidade açoriana
Já quase se tratam pelos nomes. Chegam meia hora antes da porta abrir e, quando se faz luz dentro da casa, antiga sede da Cáritas de São Miguel, começam a sentar-se de forma ordeira como se tivessem lugar cativo.
Cerca de 50 pessoas, sem abrigo, comem diariamente nesta “cantina” improvisada na Rua dos Manaias, mesmo no coração de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel. São afáveis quando chegam mas depois, parece que lhes falta tempo para conversas. Comem depressa e depressa saem, cumprimentando quem os serviu e agradecendo por mais uma refeição. Outros 20, aguardam na fila para serem servidos. Levam para casa, porque a família está à espera. De olhos pregados no chão, como se carregassem uma vergonha maior que o mundo. Conservam o lar, mas não têm emprego, nem dinheiro, apenas bocas para sustentarem.
“São pessoas muito carentes de afeto. Têm de ter muita confiança connosco para desabafar e contar um pedaço da vida”, diz ao Sítio Igreja Açores Lúcia Pontes, uma das responsáveis pelo Departamento de solidariedade e partilha do Serviço Diocesano de Apoio à Pastoral Juvenil e que esta sexta feira coordena os trabalhos na cozinha.
Uma sexta feira do mês, “geralmente é a terceira”, este departamento organiza o jantar para 70 pessoas.
“Podíamos ficar em casa no conforto do nosso lar mas assim estamos a ser úteis e, ainda agora, nesta quadra, de reuniões familiares, nunca faltam voluntários”, adianta, mesmo quando são “convocados” de surpresa, pois se alguma associação falha e são contactados para servirem uma refeição extra “estamos sempre de serviço”.
“É a nossa missão; é a forma como respondemos aos sucessivos apelos do Papa Francisco e nem precisamos de ir para muito longe porque os problemas estão à nossa porta”, desabafa Lúcia Pontes.
“O que mais magoa é que há gente que nunca teve outra casa senão a rua, mas há muitas pessoas que vêm porque já não têm outra alternativa. Perderam tudo. Muitas delas até a vontade de viver e por isso, quando nos contactam pessoalmente tempos de estar disponíveis”, conclui Lúcia Pontes.
O departamento da Pastoral Juvenil não é o único solidário com este projeto que já leva mais de uma dúzia de anos e que tem o selo de Monsenhor Weber Machado.
“Ele é a alma disto tudo, quando ele morrer como é que vai ser” diz um dos frequentadores deste “abrigo” alimentar diário.
Esta sexta feira, oitava da festa do Natal , lá estava Monsenhor Weber Machado para abrir a porta aos jovens que na bagagem traziam o bacalhau” afinal estamos no Natal”, um sumo, o pão e uma sobremesa- “mais um doce para lembrar a época”.
De segunda a domingo são muitos os grupos de voluntários de paróquias como Santa Clara, Ginetes, Covoada, Milagres, Associação Amor Azul ou pessoas em nome individual, que assumem este compromisso de ajudar na confeção de uma refeição.
“Está tudo muito organizado mas eu gostava que ainda fosse de outra maneira porque sinto que, de um momento para o outro, esta ajuda pode falhr e isso não pode acontecer” disse ao Sítio Igreja Açores Monsenhor Weber Machado.
Entre os frequentadores desta cantina social, estão sem abrigo, pessoas que perderam o emprego ou que estão na rua. Entre eles muitos jovens, expulsos de casa por terem adições ao álcool ou à droga, alguns até são licenciados, outros são imigrantes que nesta conjuntura perderam o trabalho. Mas o sotaque é bem micaelense.
A “cantina” social é para muitos a única refeição do dia. E se sobra, depois de estarem todos saciados, ainda há quem leve os restos para o dia seguinte.
Os jovens que confecionaram esta refeição, no Convento da Esperança, junto ao Santuário do Senhor Santo Cristo, já fazem isto há algum tempo. Alguns deles participam nesta sexta feira mas também noutros dias da semana porque já criaram outros grupos para servir as refeições. Antes eram servidas num jardim no centro da cidade mas, “aqui as pessoas ficam mais reservadas e mais protegidas” dizem os voluntários.
“O pior é no verão ou quando há muitas festas. É mais difícil garantir a comida. Já tive dias em que sozinho tive de ser eu a assegurar alguma coisa para eles comerem, mas felizmente é cada vez mais raro isso acontecer”, lembra Monsenhor Weber Machado.
Além deste jantar, confecionado com bens angariados pelos jovens, o departamento de solidariedade e partilha do Serviço Diocesano de Apoio à Pastoral Juvenil também organiza cabazes que distribui por famílias sinalizadas.