Por Carmo Rodeia
Lembro-me como se fosse hoje. Em julho de 1986, quando me candidatei à universidade tive o primeiro grande arrufo com a minha mãe. Por influência de amigos, tipo Maria vai com os outros, desisti de me candidatar ao curso de Direito, na velha e prestigiada Faculdade de Direito de Lisboa, para onde estava talhada a ir porque sim, e resolvi candidatar-me à licenciatura de Comunicação Social na faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Era um curso emergente; com boa reputação e que tinha fama de estimular os alunos para um sentido critico da vida. Só vim a saber isto depois, porque na altura, esta história de ser jornalista era algo absolutamente novo para mim. Verdadeiramente queria ser médica; depois disseram-me que se calhar era melhor ser advogada e eu como me sentia bem a fazer coisas, nunca desdenhei o destino que me ia sendo traçado nas conversas de família, que me divertiam.
Voltando à Comunicação Social, a média de ingresso na universidade já era alta, mas isso não era problema e, na verdade, só precisava de arranjar coragem para me explicar em casa: porque carga de água ia escolher um curso que certamente na minha família seria fora da caixa, fugindo à tradição familiar da opção pela medicina ou ao direito alternativo a uma profissão decente, já que as letras para ser professora estavam fora de questão. Não tinham saída, dizia-se já na altura. A mãe continuava a ser a única que tinha arriscado e não era bom repetir a opção: os alunos estão cada vez mais difíceis; são rebeldes; não têm maneiras nem educação; vais ganhar cabelos brancos e uma úlcera rapidamente…O funil das escolhas estava traçado e qualquer coisa que passasse por outra escolha iria ser sempre um problema. Na véspera da candidatura, Comunicação Social foi a única opção, até porque um dos meus melhores amigos na altura a tinha feito. Resultado: candidatei-me ao cursito e quando cheguei a casa e tive de prestar contas, não valia apenas adiar a discussão, a minha mãe deixou de me falar indignada por ter de suportar os custos de uma “licenciatura de ardina”, que me iria conduzir “a um destino incerto e a uma vida precária”. Não esteve muito longe da verdade, pelo menos do ponto de vista material. Nos primeiros meses do curso vacilei; os amigos estavam todos em direito; sentia-me sozinha, perdida em Lisboa, quem nunca atravessou este “vale de trevas” do inicio da vida académica que diga eu…
Na altura para se trabalhar numa redação a sério não era preciso ter a licenciatura completa e, eu felizmente, quando a terminei já tinha quatro anos de experiência profissional- comecei a trabalhar logo no primeiro ano da faculdade- e a certeza de que era isto que queria.
Ser jornalista para mim era ter nas mãos a capacidade de influenciar a mudança, de denunciar as injustiças e de dar voz a quem não a tinha. Enveredei por um acaso, ou talvez não, pelo jornalismo político. Nunca desejei desempenhar qualquer cargo político e a única vez que o fiz, ou estive próxima, o que também aconteceu por acaso, achei interessante mas nunca me deslumbrei. Aliás até me senti demasiado espartilhada e a experiência durou pouco. Aliás, se olharmos para a história recente só consigo vislumbrar um jornalista que teve sucesso na vida política e talvez porque nunca foi verdadeiramente jornalista.
Lembro-me sempre da expressão do Senhor Manuel Ferreira, amigo de tantas e demoradas conversas, das boas, daquelas que enchem a alma e apaziguam o coração- Alto como as estrelas e livre como o vento- …Acho que é a melhor expressão para caracterizar um jornalista.
“O jornalismo não acontece por escolha de uma profissão, mas assumindo uma missão, como um médico, que estuda e trabalha para que, no mundo, as doenças sejam curadas”, afirmou o Papa Francisco na cerimónia em que distinguiu dois jornalistas vaticanistas, que há 40 anos fazem a cobertura do trabalho do Papa e do Vaticano, com as insígnias da Grã-Cruz da Ordem Pia dois jornalistas vaticanistas, julgo que este sábado.
O Papa disse que “a missão do jornalista é explicar o mundo, torná-lo menos obscuro, fazer com que as pessoas tenham menos medo e possam olhar para os outros com maior consciência e também com mais confiança”.
É uma missão difícil, sobretudo neste tempo das redes e da concorrência pela audiência, mas é preciso preservar e cultivar este sentido de missão.
Escutar, aprofundar e contar são verbos que, por isso, deveriam rimar com jornalismo. Mas hoje está dificil difícil. Escutamos mais facilmente agendas especificas; aprofundamos cada vez menos e não temos tempo para contar, porque se não chegarmos primeiro perdemos o lugar. Precisamos de refletir.