Por Carmo Rodeia
Acho que fui jornalista por um acaso. Foi profissão com a qual nunca sonhei mas que me foi apresentada por um grande amigo. Entrei para a faculdade, para tirar Comunicação Social na Universidade Nova de Lisboa, quando a licenciatura tinha apenas dois anos de existência, em 86.
Na família mais restrita a ideia não foi bem aceite. Criei a ilusão que queria ser médica e mais tarde advogada. Não havia razões para mudança tão drástica. Aliás nunca tinha havido sequer uma conversa sobre o assunto.
Entrei para a faculdade com 17 anos e comecei a trabalhar logo a seguir, também por um acaso, numa altura em que para se ser jornalista não era precisa a licenciatura e não havia toneladas de cursos de jornalismo e afins e era relativamente fácil trabalhar, em comunicação ou em outra coisa qualquer.
Gostava de política e o jornalismo político foi algo natural, embora a escolha também tenha sido casual. Comecei logo a fazer cobertura jornalística na AR, nos “passos perdidos”, o chamado pejorativamente “jornalismo de enredo”, a partir das fontes. Na altura eram muitos os jornalistas que o faziam. Sobretudo os chamados séniores que tratavam a Natália Correia e o Raúl Rego pelo nome. Quase todos tinham a experiência de ter acompanhado os primórdios da democracia. Eram veteranos, olhados com respeito e admiração; uma referência.
O antigo diretor do Público, Vicente Jorge Silva, dizia a propósito dos jornalistas que acompanhavam a política que eram políticos frustrados e a verdade é que não conheço qualquer jornalista que se tenha dado bem na política, a não ser Paulo Portas, que não sei se era bem jornalista…
Sempre gostei do que fiz e continuo a gostar, embora não possa dizer que tenha sido uma vocação. Prefiro chamar-lhe missão, a que me entreguei de corpo e alma. Trabalho desde 86; em 2013 por força das circunstâncias e também casualmente, dediquei-me ao jornalismo religioso fazendo a cobertura da vida da igreja, que sempre acompanhei como crente.
O jornalismo sério exige atenção, conhecimento e cultura e hoje, infelizmente, há zonas que continuam cegas ou ignoradas pelos media, a não ser pelas más razões. Sabemos que há realidades importantes para as pessoas que pura e simplesmente não aparecem nos media. E se não aparecem não existem. A religião é uma delas, embora a centralidade da igreja católica exigisse outra atitude.
Evangelizar nos media é um desafio pois a comunicação é um local especifico de anúncio do Evangelho. Os padres conciliares perceberam-no como ninguém, sublinhando a importância e a centralidade dos media na vida de uma sociedade.
Vivo ainda hoje o jornalismo com um enorme entusiasmo (embora tenha a carteira suspensa devido às funções que exerço) ciente de que a comunicação social cumpre uma função social e que os jornalistas são profissionais bafejados por uma enorme graça: levar ás pessoas uma boa nova, que no caso do Evangelho é uma coincidência real.
Esta sexta feira a diocese de Angra promove as II jornadas diocesanas de comunicação intituladas “Comunicação: uma ponte para a inclusão”.
Os professores Manuel Pinto e Viriato Soromenho-Marques abrem e encerram os trabalhos com uma conferência; vários profissionais do jornalismo e da comunicação vão falar sobre as suas responsabilidades e o seu contributo para a construção de uma sociedade com valores.
Estas jornadas podem não servir para outra coisa mas pelo menos far-nos–ão refletir sobre esta matéria prima noticiosa que é o Evangelho e o desafio que todos os cristãos têm de o espelhar, num contexto difícil mas que é desafiador perante fenómenos como a laicização da sociedade; um certo individualismo na vivência da fé e uma idolatria do consumo.
Nestas jornadas não vamos discutir religião; vamos discutir factos e noticias que devem ser transmitidas com valores…uma sociedade em que cada um não consiga olhar o outro e colocar-se no lugar do outro crescerá desordenada e selvaticamente. O que defendemos é precisamente o contrário. Eu e todos os profissionais que estarão presentes neste encontro. Porque para além de tudo nos deixámos seduzir pela missão. E como dizemos em igreja é pelo testemunho que vamos…