JOÃO PAULO II: UM SANTO DO NOSSO TEMPO

Dom António de Sousa Braga, bispo de Angra, sublinha ligação do papa a nossa senhora e elogia-o como o grande pastor da igreja universal.

Histórica foi a visita que o agora beato João Paulo II fez aos Açores, no dia 11 de maio de 1991. Foi a primeira visita de um Papa aos Açores, que não se vai repetir tão cedo. Honra seja dada a quem estava á frente da Diocese e do Governo Regional.

Eu não tive a graça de estar nos Açores, nessa altura. Estava em Roma, tendo acompanhado a visita pelos MCS. Devo dizer que, inicialmente, fiquei em trepidação, quando verifiquei, pelas imagens, pouca gente ao longo do percurso que a comitiva do Papa fez do Aeroporto para a cidade de Angra. Talvez o excesso de zelo pela segurança desviou as pessoas da estrada regional. Mas, depois, já fiquei animado, ao constatar a adesão da multidão, na animada Concelebração Eucarística, em Angra e na significativa concentração no Campo de S. Francisco em Ponta Delgada.

Chamaram-me a atenção as palavras do Papa, não só na Homilia, mas também, no final da Missa, em que espontaneamente saúda os Açorianos e louva o Grupo Coral, dirigido pelo Cónego António Piques. De grande densidade espiritual foi o encontro com os açorianos, no Campo de S. Francisco, após o cortejo apoteótico com os jovens, da Rotunda da Autonomia até ao Forte de S. Brás, onde o Papa se ajoelha, sem almofada, diante da sugestiva imagem do Senhor Santo Cristo. Prolonga tanto esta oração pessoal diante da imagem do «Ecce Homo», que D. Aurélio tem de Lhe dar um sinal, para falar ao povo e aos jovens, resumindo, praticamente, o que podemos considerar o Seu grande legado à Igreja do nosso tempo.

 

 

Podemos identificar esse legado com a «Nova Evangelização», de que o beato João Paulo II falava continuamente: propor, neste mundo em mudança, o Evangelho de sempre, com «novos métodos, novas expressões e um novo ardor».

Ao concluir a celebração do Jubileu do Ano 2000, exortava a Igreja a «fazer-se ao largo», para o mar alto da vida humana, para aí inserir o Evangelho de Jesus, qual fermento que leveda a massa. Afirmava Ele: «Ao longo destes anos, muitas vezes, repeti o apelo à Nova Evangelização; faço-o agora mais uma vez… Não se trata de inventar um” programa novo”. O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar e imitar…» (Novo Millennio Ineunte, 2000, 40 e 29).

Foi a sua adesão apaixonada à Pessoa de Cristo, que o faz pronunciar, com grande convicção, as famosas palavras do início do seu Pontificado: «Não tenhais medo! Abri – ou melhor – escancarai as portas a Cristo»! Por isso mesmo, a sua primeira Encíclica foi sobre «Cristo, Redentor do Homem». Foi essa mesma mística que inspirou a sua devoção mariana: «Totus Tuus» era o seu lema episcopal, que manteve como Papa. E recomendou, em diversas ocasiões: não tenhais receio de exagerar na devoção a Nossa Senhora. Ela nada mais tem a dar-nos senão o Seu Filho. Leva-nos ao encontro do Único Salvador: «ad Iesum per Mariam».

Esta centralidade cristológica, vivida e experimentada, leva-o à proclamação e celebração do Grande Jubileu da Encarnação, em que nos convidava a volver o nosso olhar para Cristo, Único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre.

É na firmeza da fé e na fidelidade a Cristo, que reside a sua coragem em propor, mesmo remando contra-corrente, o valor da vida e sua dignidade, desde a conceção até ao seu termo natural. Ensinou-o, com clareza e determinação. Testemunhou-o com a sua vida, mesmo nos últimos anos do seu Pontificado, com a evidente fragilidade física, que nunca escondeu, até à consumação final, com a serenidade de um santo, que a sua canonização agora confirma.

Manifestou coragem e determinação, logo nos primeiros anos do seu Pontificado, quando alguém punha em causa o Concílio Vaticano II, como origem dos males da Igreja. Na altura foi perentório, ao afirmar que o Concílio era para continuar a ser aplicado e não de forma parcial, mas em todas as suas dimensões e com a profundidade de uma autêntica renovação espiritual da Igreja. Foi corajoso, em tantas outras circunstâncias, dizendo a palavra certa no momento certo, nomeadamente, quando levantou a voz contra a guerra, superando claramente a doutrina tradicional da «guerra justa». Foi claro e firme, ao afirmar que a guerra é sempre uma «derrota» da humanidade.

Notável foi a sua abertura à problemática atual da sociedade humana, com as suas Encíclicas Sociais, que ficarão como um marco de referência obrigatória para a presença da Igreja no mundo. Pronunciou-se, tanto contra o marxismo, como contra o liberalismo, abrindo caminho a uma humanização da vida em sociedade, que tenha como pilares a dignidade da pessoa humana e o bem comum, os princípios da solidariedade e da subsidiariedade, as virtudes da justiça e da caridade.

Não há dúvida de que João Paulo II ficará na História como um grande Pastor da Igreja Universal e um santo do nosso tempo. A sua profunda espiritualidade manifestava-se também na sua grande humanidade, que se tornou tão patente, nos últimos anos da sua vida. Nunca esquecerei a memorável «Visita ad Limina» dos Bispos Portugueses, em 1999, em que tive a graça de participar. Ancião alquebrado pela idade e pela doença, sentiu-se muito à vontade com o Episcopado português, depois da visita não fácil da Conferência Episcopal Alemã.

Grande a familiaridade manifestada nas audiências particulares com os Bispos portugueses. No encontro final da visita, não leu o discurso, que tinha preparado. Foi entregando a cada Bispo. Emocionou-me o fato de ter identificado a “Diocese de Angra” com “las islas”.

Mas o melhor foi quando chegou a D. Januário, que estava para ser nomeado Bispo das Forças Armadas. Nessa qualidade, exigiu também ser recebido particularmente e não juntamente com os Bispos Auxiliares de Lisboa. O Santo Padre não se esqueceu da audiência particular que teve com ele. Antes de lhe entregar o envelope com o discurso, fez-lhe “continência”. Gargalhada geral e corrida dos fotógrafos que queriam transmitir para a posteridade a boa disposição de um Papa, ancião e doente, tão espiritual e tão humano.

É assim: não há verdadeira santidade, sem humanidade. O Evangelho de Jesus é o grande caminho de humanização. Que S. João Paulo II nos ajude a por em prática o que viveu e ensinou!

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