Lembro-me perfeitamente do dia em que o meu irmão me ensinou a nadar.
Foi há exactamente quarenta anos, porque tinha seis anos, e agora – deles – tenho quarenta e seis. Merece uma espécie de brinde. Não por causa da redondeza do número, mas porque julgo, a esta distância, que o meu irmão ainda não sabia nadar quando me ensinou a nadar.
O Hernâni sempre foi o meu protector. Acho que ainda hoje é uma espécie de meu anjo da guarda, porque, como irmão mais velho, carrega o fardo de estar sempre alerta comigo e de não se importar nadinha se eu estou preocupado com ele. E às vezes estou.
Ensinou-me, portanto, a nadar, sem ele mesmo saber ainda nadar, acho eu. Foi assim: atirou uma bola branca (de vólei, daquelas muito velhas dos americanos) às ondas e disse-me para a ir buscar, com a cabeça debaixo da água e sem respirar. Estávamos no areal da Praia, o mar manso com umas ondazinhas teimosas. E meu irmão, com oito anos, mais alto do que eu, com os pés bem assentes na areia, atirou a bola para bem perto de si. Lancei-me à água, confiante, e nadei. E aprendi. Dei quatro ou cinco braçadas, não dei com a bola, mas aprendi a coisa mais importante de saber nadar: perder o medo. E o meu irmão ensinou-me a perder o medo antes mesmo de ele perder o medo.
Acho que ficou chateado, porque, nesse dia, ou no outro dia a seguir, me disse que também ele já sabia nadar. E com a cabeça de fora da água.
Desse tempo guardo a natureza mais pura do amor. Aquele entre irmãos, de sobrancelhas arredondadas e olhos postos exactamente no infinito, quando eu confiava nele como quem não consegue confiar em mais ninguém senão numa pessoa chamada Hernâni, quando se tratava de mar. Porque ele estava ali. Não falhava, não podia falhar, não sabia falhar.
E ele contava-me histórias sobre jogos de futebol, quando o Porto ganhava sempre ao Benfica… um ano em que o Porto foi perder 0-5 com o Benfica de propósito, só para, na segunda volta, ganhar 10-0. E eu acreditei. Ainda hoje acredito. Piamente. Porque a Verdade pertence a outra dimensão. Pertence à dimensão do amor e não é apenas uma adequação da mente à realidade.
O Papa Francisco e muitos bispos estão reunidos em Roma, no Sínodo sobre a família. Estão a ser bombardeados com infinitas questões, justamente colocadas, cristãmente expostas, doutrinalmente esperadas, canonicamente exigidas, pastoralmente encaminhadas. Gostava imenso que, do documento que sairá desse encontro de irmãos, a palavra Irmão pudesse ser, pelo menos num número (porque os documentos da Igreja têm inúmeros números), a palavra mais importante do mundo.
Pe. Júlio Rocha