Investigadora diz que nenhum documento da Igreja foi tão longe na reflexão sobre a biodiversidade

Docente da UAC assinala diagnóstico assertivo do Papa

Rosalina Gabriel é docente e investigadora do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, onde pertence ao Grupo da Biodiversidade. Católica e atenta ao diálogo entre a religião e a ciência, a sua investigação foca-se no estudo da biodiversidade de briófitos dos Açores, com ênfase na ecofisiologia e conservação. Interpelada pelo Sítio Igreja Açores deixa aqui uma visão da nova encíclica Laudato Si, destacando as questões da biodiversidade.

 

Sítio Igreja Açores- Esta Enciclica começa com um diagnóstico sobre o estado do planeta Terra. Identifica-se com ele?

Rosalina Gabriel- Sim, sem dúvida. É um texto longo e complexo que faz uma descrição dos problemas que afetam o planeta mas que não fica apenas pelo diagnóstico e avança para pistas concretas para ultrapassar os problemas. No que a mim me diz respeito gostei particularmente das questões levantadas sobre a biodiversidade.

 

Sítio Igreja Açores- O Papa coloca a questão em três áreas diferentes: a biodiversidade, as alterações climáticas e a questão da água. Em que  medida são inovadoras as achegas do Santo Padre?

Rosalina Gabriel- No que respeita à biodiversidade há todo um programa nesta encíclica. O Papa critica a forma como se tem penalizado a preservação desta biodiversidade em função do aumento da produtividade, negligenciando, por exemplo, a sã convivência entre as diferentes espécies; o utilitarismo inerente às espécies. Ora o Santo Padre alerta para a a necessidade de percebermos que a Terra é habitada por diferentes seres vivos, para além do homem e que se não houver uma relação equilibrada entre todos estamos a interferir nos ecossistemas e isso tem repercussões grandes no equilíbrio natural. E, de cada vez que uma espécie desaparecer ficamos empobrecidos… havendo mesmo uma quebra geracional.

Nós recebemos a Terra de um determinado modo; temos de perceber que quando a transmitimos as gerações vindouras também têm direito a usufruir dela em condições.

 

Sítio Igreja Açores- O Papa põe em confronto o anonimato das grandes empresas que parece que não têm terra com as comunidades que vivem de forma sustentável.

Rosalina Gabriel- Sim… os que respeitam a terra e vivem na terra e da terra e os outros que não sendo da terra nem vivendo nela retiram-lhe parte das suas riquezas.

 

Sítio Igreja Açores- O Papa fala mesmo em esquizofrenia permanente, no controlo económico…

Rosalina Gabriel– É, pelo menos o pensamento dominante. Admito que nas relações pessoais as pessoas valorizem outras coisas que não os aspetos económicos; mas entre nações, os interesses são outros.

 

Sítio Igreja Açores- É uma inevitabilidade?

Rosalina Gabriel- Quando viajamos percebemos que as pessoas estão condenadas a entenderem-se. Mas depois parece que há um esquecimento das relações básicas entre todos.

 

Sítio Igreja Açores- O Papa denuncia muito neste texto, à semelhança dos outros que já escreveu, sejam as homilias seja a Exortação Apostólica. Este texto surpreendeu-a?

Rosalina Gabriel- Não me surpreendeu. Fiquei muito contente por ele o ter escrito, ter atenção a toda a complexidade da vida e, naturalmente, escrever sobre um tema que me é tão caro porque é o tema do meu trabalho diário. Portanto, como católica, não fiquei surpreendida pela posição que o papa tomou. Fiquei, sim, muito contente até porque está escrito de uma maneira muito simples e muito lógica. É um documento cheio de conteúdo mas com uma enorme sensibilidade e simplicidade.

 

Sítio Igreja Açores-  Que mensagem fica deste texto?

Rosalina Gabriel-  Esta encíclica é um alerta fundamental para a importância do ambiente, mas não só. Sobretudo tem o condão de não ser um texto simplista que apresente uma solução formatada para tudo e isso poder ser muito importante para ser levado em consideração.

 

Sítio Igreja Açores- Somos sempre nós e as nossas circunstâncias. O Papa revela bem o seu próprio contexto e uma enorme oportunidade que é esta encíclica servir quase de mote à cimeira do Clima em dezembro. O que é que os líderes mundiais podem retirar daqui?

Rosalina Gabriel- O que quiserem pois não faltam soluções, sugestões e caminhos alternativos. É uma questão de os querermos ver e seguir…

 

Sítio Igreja Açores- Há condições para o texto ser levado efetivamente em linha de conta?

Rosalina Gabriel- Não devemos menosprezar o poder da oração. Todos devemos rezar pelo sucesso destas reuniões. A influência diplomática da Santa Sé encarregar-se-à do resto. Este texto resulta de muitos contributos e reflete a posição oficial da igreja que está muito ao lado de grupos ambientalistas que pensam desta maneira. Até agora muitas das posições da Igreja não foram suficientes para mudar tudo, mas será mais um passo que espero sinceramente seja muito positivo. Nós não devemos menosprezar o papel da solidariedade. As pessoas do planeta têm vontade de que as coisas melhorem. Há alternativa. Por vezes parece que não há, mas há e esta encíclica vem mostrar que há e que há vontade para a por em marcha. As fábricas não têm que ser cada vez maiores para produzirem mais; os alimentos não têm que ser geneticamente modificados para existirem em maior quantidade. Não há inevitabilidade nenhuma nestes pressupostos.

 

Sítio Igreja Açores- E esta vontade implícita do Santa Padre tem seguidores?

Rosalina Gabriel- Claro que tem e  as pessoas mostram-no todos os dias. O futuro ainda não aconteceu; nós é que o fazemos. Estamos naturalmente condicionados pelo que já fizemos. Mas podemos sempre fazer melhor.

 

Sítio Igreja Açores-  Qual é a ideia chave desta encíclica?

Rosalina Gabriel- Não é fácil fazer essa síntese, mas partindo de um artigo de fevereiro da revista Science eu diria assim: nós estamos a forçar as fronteiras da habitabilidade do nosso planeta; nalguns casos já as ultrapassamos e dos três aspetos mais referenciados- a biodiversidade, a presença de azoto nos ecossistemas que permitiu melhorar a produção de alimentos ajudando no combate à fome sem a erradicar mas que está a alterar os ecossistemas e as questões do clima- o que me é mais caro é o da biodiversidade porque nunca como neste texto o problema foi tratado com tanta profundidade.

 

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