A Semana dos Seminários que agora se iniciou pode sugerir muitas reflexões dentro e fora da Igreja Católica.
Para que queremos padres? Já ouvi mesmo opiniões de quem, sendo das ilhas mas vivendo no continente, e estando fora do âmbito da fé da Igreja, tenha revelado estupefação por “ainda haver seminaristas”, embora, em minha opinião, esta posição seja uma exceção mesmo em não-crentes ou agnósticos.
É legítimo, no entanto, interrogar-se sobre o modelo e o perfil de padre que hoje a Igreja precisa. A esta pergunta não existe uma só resposta porque, no fundo, cada cristão, padre ou leigo, tem uma conceção eclesiológica de acordo com o percurso feito, as influências recebidas das mais diversas proveniências, em termos teológicos, eclesiais, culturais, académicos e ao nível da sua caminhada de fé. É irrenunciável, no entanto, a adesão a uma Igreja Mistério que nasce do coração da Trindade, que aparece no tempo pela Encarnação do Verbo de Deus e Redenção operadas no Mistério Pascal, como Sacramento Universal de Salvação, animada pelo Espirito Santo santificador, como decorre da eclesiologia do Concílio Vaticano II na Lumen Gentium, documento que exige uma releitura constante e que parece esquecido por parte de alguns. Uma Igreja Povo de Deus, sinal do Reino de Deus, e ao serviço do Evangelho. Um padre existe para estar ao serviço do Evangelho que é o próprio Cristo, ao Qual consagra toda a sua existência.
É para estar ao serviço de Cristo que hoje em dia “ainda há” rapazes que vêm para o Seminário, para nele viverem a radicalidade da experiência de ser discípulo do Senhor, capacitando-os para depois guiarem, seja onde for, as comunidades cristãs nessa mesma experiência de acreditar. Para uns bastará um padre que «diga a Missa» e faça as devoções e procissões que o povo gosta. A verdade, porém, é que numa sociedade plural, onde o diálogo dialético é inevitável e salutar, diga-se, o padre precisa estar preparado para fundamentar a sua experiência de acreditar como discípulo, e ter os conhecimentos necessários para iluminar com o Evangelho o percurso de cada um neste tempo.
O padre é um exegeta da vida e do homem, e sua missão não é informar, transmitir conhecimentos, mas, supondo isso, vai muito mais além porque a meta é transformar. Como muitas vezes digo aos meus alunos, se o estudo não nos humaniza, – entre muitos outros objetivos – se é visto apenas como um produto que temos de receber e depois transmitir, de pouco servirá. Precisamos de uma inteligência hermenêuticamente competente para o ministério, – intérprete da Vida- e para isso, é necessário conhecer e rezar as sagradas letras e a vida nos seus elementos mais variados. O processo de dizer Deus e as metáforas das narrativas da fé são ferramentas essenciais na aprendizagem e na formação sacerdotal.
Com frequência contentamo-nos com uma inteligência monológica, que se direciona para os conhecimentos das ciências teológicas, mas atualmente é necessário uma inteligência capaz de conversar e de estar em contacto com a complexidade do real. Para gerar empatia com uma motivação agápica que no fundo deve moldar todas as formas de relação do padre com os outros. Para cada cristão, padre ou leigo, sempre haverá os padres do passado – os quais mais ou menos influenciaram o percurso de cada um – os do presente – sobre os quais há uma ideia feita ou que se vai fazendo – e os que se pretenderia que existissem, mas não existem. Hoje só se pode pensar na formação sacerdotal como um processo que nunca mais acaba, porque afinal os 6 anos de Seminário são apenas a formação inicial. É por este lugar de formação que a Igreja Diocesana é chamada a interessar-se e senti-lo como o seu «coração», levando em oração ao Pai a vocação de todos os fiéis chamados ao sacerdócio!
Pe Ricardo Henriques
vice-reitor do Seminário de Angra