Por Renato Moura
O que se vem passando, de há muito tempo para cá, ao nível das instituições do Estado, é não só imprevisto como execrável.
São tantos os acontecimentos que seria impossível registá-los aqui; nem faz falta, pois, os canais de informação têm-lhes dedicado dias inteiros. Julgava-se ter uma democracia consolidada e responsáveis políticos ponderados para não demitirem gestores na televisão, nem adjuntos pelo telefone. Fica-se estupefecto com a falta de coordenação entre membros do Governo; e não há recurso a «semântica» que disfarce declarações díspares.
Quase 50 anos depois do período revolucionário tantos olham para a Assembleia da República parecendo ver uma escola onde há meninos e um professor, porventura todos com as suas razões, mas todos a portarem-se mal, com gestos e gritos desalmados. E quando se sabe daquilo que se passa numa comissão de inquérito, há quem lhe ocorra o velho provérbio: a mentira tem perna curta.
Depois de tantos governos democráticos não se pensava que os conflitos dentro dum gabinete governamental levariam a algo semelhante a um filme de ficção de polícias e ladrões. Pareceu adequado que o 1.º Ministro tenha pedido desculpa aos portugueses desse episódio rocambolesco, que ele próprio qualificou de “lamentável e a todos os títulos deplorável”. Logicamente tinha o Ministro das Infraestruturas de pedir a demissão; só não se esperaria que a peça de teatro fechasse com o 1.º Ministro a não o aceitar e a considerar o pedido de João Galamba como “gesto nobre”! E fê-lo «honrando-se» de uma decisão alegadamente solitária (não fora a democracia e seria ditatorial), conscientemente contra a consabida opinião de partidos, generalidade dos comentadores, eleitores e até de correligionários, que esperavam ver «pôr ao fresco» esse e outros ministros.
Marcelo agora discordou abertamente. Certamente terá percebido que protegeu demais o Governo e em troca recebeu uma afronta directa. Virá aí um conflito institucional? O famoso chapéu de chuva para albergar os dois poderes parece roto e o céu azul de Braga pode escurecer; é que ganhar uma jogada, não é vencer o jogo.
Tudo isto poderia parecer uma peça teatral de comédia, se não fosse uma dramática realidade. Olha para isto o povo fazendo apostas a saber quem ganhará o que pode parecer um braço de ferro, provocado pelo 1.º Ministro.
É certo que estamos pagando um governo e só temos um conjunto de ministros. Há estagnação, degradação, perda de autoridade. Mas não se pode desesperar: uma verdadeira democracia tem soluções.