Impressões de uma viagem a Angola

Por Monsenhor António Manuel Saldanha

A diocese de Benguela acabou de celebrar os seus 50 anos de existência. De Luanda até à sede da diocese, um percurso que fiz sem cansaço, passam 6 a 7 horas de carro, entre savanas e praias sem confins.

Em meio de uma natureza generosa até ao extremo e de beleza inenarrável, mostram-se rios imensos e terra a pedir sementes capazes de dar alimentar o próprio mundo. Mas Angola revela também uma beleza que não é só fauna, rocha trabalhada pelos ventos e praia.

Depois de um período colonial que na prática durou pouco menos de um século e que está ainda em larga medida por estudar e superadas as convulsões de uma trágica guerra civil, Angola hoje explode de potencialidades.

Não tanto pelos minerais, nem pelo petróleo, nem sequer por causa da fecundidade exuberante de terrenos a perder de vista sedentos de arado.  A maior potencialidade de Angola é o seu próprio povo. Jovem e numeroso. Um povo que embora tocado pelos atropelos do colonialismo e de condicionado por interesses económicos de potências totalmente estranhas á sua cultura e passado, não se desumanizou, não se deixou contaminar pelas guerras nem pelas consequências que elas trouxeram. Ali se experimenta uma alegria natural e um modo de relacionar-se que tem tanto de refinado como de sábio e generoso. Um futuro promissor espreita já nas escolas e noutras estruturas que se vão construindo e onde se recomeçam a formar as novas gerações de um País que tem praticamente tudo para ser uma das mais bem sucedidas sociedades do continente africano.

Por outro lado, o angolano olha também para o seu passado e por isso não esqueceu tradições. Isto é particularmente visível na sua liturgia cristã onde soube integrar elementos sacros das religiões africanas com o cristianismo. O batuque dos tambores e os coros em línguas locais ouvem-se hoje na liturgia eucarística, resultando numa das mais belas expressões da linguagem litúrgica que a Igreja conhece. Ali a procissão da “entronização da Palavra” através de cânticos e dança rituais, exprime como em nenhum outro lugar, a centralidade e a incomensurável dignidade da Palavra de Deus.

A procissão de ofertório pareceu-me a que melhor se aproxima das descritas nos Actos dos Apóstolos, quando então se depositavam junto ao altar as oferendas para a mesa da Eucaristia e para a dos pobres. Uma pequena multidão de homens e mulheres, ritmados com cânticos, levam animais e produtos da terra até ao altar e dali para um recinto preparado onde depositam as suas ofertas. Para além da beleza de todo o ritual, toca-nos a alegria genuína com que é feito e a perceção de que o oferecido é o melhor e provavelmente o que mais falta faz ao oferente.

Três sinais de esperança me sensibilizaram de modo particular e com eles termino esta partilha do muito que me ficou imprimido numa viagem que é já a que mais me impactou em toda a minha vida: na visita que o Cardeal Tolentino Mendonça fez à escola onde aprendeu a ler durante a sua infância angolana, foi-lhe dito que aquele edifício, será restaurado para se criar uma biblioteca. Que um aluno daquela escola que será biblioteca seja hoje o Cardeal Bibliotecário da Biblioteca e Arquivo Apostólico da Santa Sé, vai para lá da simples coincidência.

Não me passou desapercebido que no quadro das celebrações dos 50 anos da Diocese de Benguela se tenham feito conferências sobre a sua história e sobre o papel da mulher na evangelização de Angola. Num contexto cultural e social onde predominou a tradição oral e onde o papel da mulher é frequentemente desvalorizado, parece-me um sinal extremamente positivo que se tenham promovido conferências sobre estas temáticas. A diocese tem praticamente escrita e publicada a sua história, algo ainda relativamente raro nas nossas dioceses. Já a conferência sobre o papel da mulher na evangelização permitiu percorrermos um percurso que está longe de ser suficientemente conhecido e reconhecido e não só em África.

Por fim, outro sinal extremamente significativo, foi que os 23 sacerdotes da Diocese de Benguela ordenados estes dias, foram todos enviados em missão por três anos para diversas dioceses de Angola e para Portugal.

A recuperação de uma escola para renascer em biblioteca, a sensibilidade pela história documentada e pela evangelização no feminino e a generosidade sem paralelo de D. António Jaca, Bispo de Benguela que manda em missão para outras dioceses as suas primícias sacerdotais, são sinais, entre muitos outros, de que temos muitas lições a aprender com a cultura angolana e com a sua Igreja.

*Monsenhor António Manuel Saldanha é colaborador do Igreja Açores e secretário na Congregação para as Causas dos Santos, em Roma

 

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