Igreja não pode ser “um clube de crentes”

Socióloga convidada para 40ª sessão do Conselho Presbiteral alerta para a necessidade de fazer comunidade e desconstruir periferias

A igreja embora seja uma estrutura sociológica de poder deve ser a primeira a contribuir para a desconstrução de periferias, disse esta manhã a socióloga Piedade Lalanda, na primeira sessão de estudo da 40ª assembleia do Conselho Presbiteral que está a decorrer, desde ontem, em Ponta Delgada, no novo Centro Pastoral Pio XII.

“A igreja tem de desapertar as correias de preconceitos, tem de apelar ao compromisso, denunciar e desinstalar. Se os sacramentos não forem integradores e servirem só para distinguir uns dos outros, então correm o risco de ser porta de entrada para um clube de crentes, e a igreja não estará a cumprir o seu papel”, disse a socióloga.

Partindo de uma noção sociológica do que é o centro e do que são as periferias- tema central deste Conselho-, “muitas vezes geradas por barreiras assentes em crenças e valores”, Piedade Lalanda identificou os vários factores que contribuem para a construção de periferias, destacando por exemplo o dinheiro e as lógicas “clubísticas e de capelinhas”.

“O fechamento, a lógica dos clubes e das elites e das capelinhas, a discriminação assente no género, na raça, na intolerância perante a diferença, na arrogância do poder apropriado, são factores que levam à criação de periferias”, a que “não escapa a fé” precisou a ex secretária regional da solidariedade social.

Recorrendo a uma expressão do Papa Francisco, Piedade Lalanda disse que “seria bom que as igrejas não se transformassem em alfandegas da fé para filtrar a entrada ou a exlusão”, porque isso “também é uma forma de criar periferias.

“Cristo na Cruz ajuda-nos a amar os que não nos amam”, por isso,  “se eu baixar as defesas, se eu for ao encontro das pessoas que não estão no meu universo estarei a desconstruir periferias”, salientou ainda deixando um novo apelo aos sacerdotes: “Sempre que a igreja se abre, é tolerante, humilde, respeita as diferenças, pratica o ecumenismo, não julga, acolhe e integra, está a contribuir para desfazer a periferia”.

“Quando o poder não é serviço torna-se arrogante e fecha-se sobre si mesmo criando ainda mais periferias” disse também a socióloga .

“Estar na estrada como nos convida o Papa Francisco- um grande interprete da realidade social´- não é fazer à minha maneira e nem mesmo segundo o meu caminho espiritual; estar na estrada é olhar para os outros” sem “leituras maniqueístas” e “sem achar que sou melhor ou pior do que ele”.

“Sempre que a igreja se abre, é tolerante, humilde, respeita as diferenças, pratica o ecumenismo, não julga, acolhe e integra está a contribuir para desfazer a periferia” diz Piedade Lalanda sublinhando que essa é a grande mensagem de Jesus.

“Sempre que um sacerdote acolhe e contribui para a aceitação dos mais fragilizados está a desconstruir periferias”, disse ainda destacando que “Deus é o único que pode transformar a periferia humana em centralidade”.

“As barreiras que construímos podem dar-nos segurança mas ao mesmo tempo cegam-nos e alheiam-nos da nossa própria vulnerabilidade”, concluiu.

Já durante o debate e depois de ter dado o seu contributo para a “Evangelização dos sacerdotes”, como foi pedido pelo Vigário Episcopal para a Ilha de São Miguel, Pe Cipriano Pacheco, no inicio dos trabalhos, Piedade Lalanda respondeu a algumas questões, quase todas centradas em aspetos práticos que se prendem com as respostas sociais que existem no terreno para acudir às periferias materiais e humanas.

Em debate esteve o papel das Instituições Particulares de Solidariedade Social, em grande maioria ligadas aos centros sociais e paroquiais geridos pelos sacerdotes.

Piedade Lalanda reforçou a “importância” destas instituições que, na Região Autónoma dos Açores,  “representam a extensão da segurança social” e por isso são “a resposta institucional nas comunidades onde estão inseridas”. No entanto,  a ex responsável pela pasta governativa da solidariedade social não deixou de lamentar que ainda “não exista uma noção clara do bem comum” isto é, “no terreno há que aprender a partilhar mais , a fazer destas instituições uma verdadeira comunidade por forma a pouparmos recursos que possam ser canalizados para uma ajuda efetiva a quem precisa”. Lamentou que o discurso político nem sempre “seja consequente e chegue a toda a gente” e salientou que quanto mais a sociedade conseguir “ser uma verdadeira comunidade, menor necessidade haverá de instituições sociais que apesar da competência não substituem outras entidades fundamentais em sociedade como a família”.

O segundo dia de trabalhos do Conselho Presbiteral, que reúne os mais altos responsáveis diocesanos da Igreja açoriana, foi dedicado ao tema central da agenda. A diocese tem estado a avaliar a realidade social e religiosa das diferentes comunidades no arquipélago, como forma de conhecer o contexto atual e encontrar as melhores respostas da igreja.

Além de Piedade Lalanda, foi convidada desta manhã de estudos Eugénia Quaresma diretora da Obra Católica Portuguesa para as Migrações.

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