Igreja apresenta a sinodalidade como “uma profecia social”

Igreja propõe experiência de diálogo e escuta como alternativa a modelos dominantes de exclusão e violência

Foto: Secretaria Geral do Sínodo

O documento final da XVI Assembleia Geral do Sínodo, aprovado este sábado no Vaticano, apresenta a sua experiência de diálogo e escuta como alternativa a modelos dominantes de exclusão e violência, no mundo atual.

“A vontade de escutar todos, especialmente os pobres, contrasta fortemente com um mundo em que a concentração do poder exclui os pobres, os marginalizados, as minorias e a terra, nossa casa comum”, refere o texto, divulgado após o final da última reunião geral desta sessão sinal, com participantes dos cinco continentes e presidida pelo Papa.

Os participantes falam da sinodalidade como “profecia social”, numa época “marcada pelo aumento das desigualdades, pela crescente desilusão com os modelos tradicionais de governação, pelo desencanto com o funcionamento da democracia, pelo aumento das tendências autocráticas e ditatoriais, pelo predomínio do modelo de mercado sem ter em conta a vulnerabilidade das pessoas e da criação, e pela tentação de resolver os conflitos através da força e não do diálogo”.

“Praticado com humildade, o estilo sinodal pode fazer da Igreja uma voz profética no mundo de hoje”, acrescentam.

O texto desafia os católicos a “desenvolver uma cultura capaz de profecia crítica face ao pensamento dominante”, bem como a desafiar “um comunitarismo social exagerado que sufoca as pessoas e não lhes permite serem sujeitos do seu próprio desenvolvimento”.

Tanto a sinodalidade como a ecologia integral assumem a perspetiva das relações e insistem na necessidade de cuidar dos vínculos: é por isso que se correspondem e se complementam no modo de viver a missão da Igreja no mundo contemporâneo”.

Os participantes evocam, no documento conclusivo, “os rostos das crianças aterrorizadas pela guerra, o choro das mães, os sonhos desfeitos de tantos jovens, os refugiados que enfrentam viagens terríveis, as vítimas das alterações climáticas e da injustiça social”.

“Nos dias em que estivemos reunidos nesta Assembleia, muitas, demasiadas guerras continuaram a causar morte e destruição, um desejo de vingança e uma perda de consciência”, pode ler-se.

Foto: Agência Ecclesia

O texto assume preocupação com problemas como “desigualdades entre homens e mulheres, racismo, divisão de castas, discriminação de pessoas com deficiência, violação dos direitos das minorias de todos os géneros, falta de vontade de acolher os migrantes”.

“O fechamento mais radical e dramático é o da própria vida humana, que leva a descartar as crianças, desde o ventre materno, e os idosos”, assinalam, numa referência ao aborto e à eutanásia.

“Reconhecemos as capacidades apostólicas das pessoas com deficiência que se sentem chamadas e enviadas como agentes ativos de evangelização. Queremos valorizar a contribuição que vem da imensa riqueza de humanidade que trazem consigo”, pode ainda ler-se.

O texto sublinha o valor do percurso sinodal “num tempo dominado pela crise da” e por uma “conceção individualista da felicidade e da salvação”.

Vários números abordam a importância do ecumenismo, convidando à “valorização dos contextos, culturas e diversidades, e das relações entre eles”.

“O ecumenismo é, antes de mais, uma questão de renovação espiritual. Exige processos de arrependimento e de cura da memória das feridas do passado”, indica o documento, antes de evocar os cristãos de várias Igrejas e comunidades que, em várias regiões do mundo, “dão a vida pela fé em Jesus Cristo”.

O documento regista ainda a “tristeza pela falta de participação de tantos membros do povo de Deus neste caminho de renovação eclesial e o cansaço generalizado em viver plenamente uma sã relacionalidade entre homens e mulheres, entre gerações e entre pessoas e grupos de diferentes identidades culturais e condições sociais, especialmente os pobres e excluídos”.

Participantes evocam “sofrimento indescritível” provocado pelos abusos sexuais dentro da Igreja

“A crise dos abusos, nas suas diversas e trágicas manifestações, trouxe um sofrimento indescritível e muitas vezes duradouro às vítimas e aos sobreviventes, bem como às suas comunidades. A Igreja precisa de escutar com particular cuidado e sensibilidade as vozes das vítimas e dos sobreviventes de abusos sexuais, espirituais, económicos, institucionais, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com nomeações eclesiais”, refere o texto, divulgado após a última reunião geral deste encontro, com representantes dos cinco continentes, sob a presidência do Papa.

“Numa época que vive uma crise global de confiança e encoraja as pessoas a viver na desconfiança e na suspeita, a Igreja deve reconhecer as suas próprias falhas, pedir humildemente perdão, cuidar das vítimas, dotar-se de instrumentos de prevenção e esforçar-se por reconstruir a confiança mútua no Senhor”, pode ler-se no documento.

Os participantes no Sínodo lembram as crianças que sofrem “por causa da guerra, da pobreza e da negligência, dos abusos e do tráfico”.

“O acolhimento e o apoio às vítimas são uma tarefa delicada e indispensável que exige grande humanidade e deve ser efetuada com a ajuda de pessoas qualificadas”, assinala o documento conclusivo.

O texto defende “práticas de transparência, responsabilidade e avaliação”, particularmente onde “a credibilidade da Igreja tem de ser reconstruída”.

“É imperativo que em todo o mundo a Igreja active e promova uma cultura de prevenção e salvaguarda, tornando as comunidades lugares cada vez mais seguros para as crianças e pessoas vulneráveis. Embora tenham sido dados passos para prevenir os abusos, é necessário reforçar este compromisso, oferecendo formação específica e contínua a quem trabalha com crianças e adultos vulneráveis”.

Documento final devolve às comunidades locais desafio de implementar dinâmicas de “consulta e discernimento”

“Pedimos a todas as Igrejas locais que continuem o seu caminho quotidiano com uma metodologia sinodal de consulta e discernimento, identificando caminhos concretos e percursos de formação para realizar uma conversão sinodal palpável nas várias realidades eclesiais”, referem os participantes dos cinco continentes, após duas sessões sinodais, em 2023 e neste ano, sob a presidência do Papa.

Os participantes sugerem ainda que os vários organismos episcopais “dediquem pessoas e recursos para acompanhar o caminho de crescimento como Igreja sinodal em missão e para manter o contacto com a Secretaria-Geral do Sínodo”.

O documento identifica os “organismos de participação” como “uma das áreas mais promissoras de atuação para uma rápida implementação das orientações sinodais, conduzindo rapidamente a mudanças percetíveis”.

“Cabe às Igrejas locais, e sobretudo aos seus agrupamentos, construir, de forma sinodal, formas e procedimentos eficazes de prestação de contas e de avaliação, adequados à variedade dos contextos”, pode ler-se.

“O processo sinodal não termina com o fim da atual Assembleia do Sínodo dos Bispos, mas inclui a fase de implementação”, pode ler-se no documento conclusivo.

Os participantes ligam este processo sinodal ao Concílio Vaticano II (1962-1965), como “um verdadeiro ato de receção”, que volta a apresentar “a sua força profética para o mundo de hoje”.

O texto final refere que é possível ver “os primeiros frutos” do caminho iniciado em 2021, particularmente no “desejo de uma Igreja mais próxima das pessoas e mais relacional, que seja casa e família de Deus”.

“A sinodalidade é um caminho de renovação espiritual e de reforma estrutural para tornar a Igreja mais participativa e missionária, ou seja, para a tornar mais capaz de caminhar com cada homem e mulher irradiando a luz de Cristo”, precisam os participantes.

Foto: Agência Ecclesia/JPG

O texto é composto por cinco partes: “O coração da sinodalidade”, “Juntos, na barca”, “Lançar a rede”, “Uma pesca abundante” e “Também eu vos envio”.

“Com este documento, a Assembleia reconhece e testemunha que a sinodalidade, uma dimensão constitutiva da Igreja, já faz parte da experiência de muitas das nossas comunidades. Ao mesmo tempo, sugere caminhos a seguir, práticas a implementar, horizontes a explorar”, explicam os participantes.

Uma das mudanças apontadas relaciona-se com o “conceito de lugar”, que remete para “a pertença a uma rede de relações e a uma cultura cujas raízes territoriais são mais dinâmicas e flexíveis do que nunca”.

“Para responder às novas exigências da missão, cada paróquia é chamada a abrir-se a formas inéditas de ação pastoral que tenham em conta a mobilidade das pessoas e o território existencial em que se desenvolve a sua vida”, indica o texto.

Os participantes aludem ainda aos desafios das novas tecnologias e das redes sociais, pedindo “recursos para que o ambiente digital seja um lugar profético para a missão”.

“As comunidades e grupos digitais cristãos, especialmente de jovens, são também chamados a refletir sobre a forma como criam laços de pertença, promovem o encontro e o diálogo, oferecem formação entre pares e desenvolvem uma forma sinodal de ser Igreja”, acrescentam.

Francisco promulgou o documento final e envia-o agora às comunidades católicas, sem publicação de exortação pós-sinodal, uma possibilidade prevista na constituição apostólica ‘Episcopalis communio‘ (2018).

O Sínodo dos Bispos, instituído por São Paulo VI em 1965, pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.

(Com Ecclesia e Vatican News)

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