O Grupo VITA, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica, apresentou 70 “sinalizações” a estruturas eclesiásticas e 25 à Justiça portuguesa (PGR/PJ), em 20 meses de atividade.
“A discrepância entre as situações sinalizadas a estruturas eclesiásticas e à PGR/PJ [Procuradoria-Geral da República/Polícia Judiciária] relaciona-se com o facto de alguns suspeitos terem já falecido e, noutras situações, ter já decorrido (ou estar a decorrer) um processo judicial de natureza criminal”, refere o terceiro relatório de atividades do organismo, apresentado hoje aos jornalistas, em Lisboa.
O número de situações representa um aumento de quatro casos, em relação ao relatório de junho de 2024.
“Mantém-se o facto de uma percentagem significativa das vítimas (aproximadamente 40%) só agora terem revelado, sendo que, em cerca de 21% dos casos, a primeira revelação foi feita ao Grupo Vita, não tendo sido apresentada denúncia, na maioria dos casos, a qualquer outra entidade competente nesta matéria”, indica o relatório.
O documento, divulgado em conferência de imprensa, precisa que as estruturas eclesiásticas envolvidas são as dioceses portuguesas, os Institutos de Vida Consagrada e a Nunciatura Apostólica.
Em particular, precisa o organismo, houve 47 sinalizações efetuadas às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, da Igreja Católica em Portugal.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Judiciária (PJ) recebem todas as denúncias de violência sexual, no contexto da Igreja, exceto nas situações em que o denunciado tenha falecido ou quando tenha decorrido, ou esteja a decorrer, um processo judicial.
Os casos aconteceram, em média, há 43 anos e “mantém-se a percentagem de vítimas que reportam que as situações de violência ocorreram nas décadas de 60 e 80 do século passado”.
Quanto ao local onde ocorreu a violência sexual, cerca de um terço das situações (32.3%) ocorreram na Igreja e, cerca de um quarto (25.8%) em instituição; as situações no contexto da Igreja aconteceram, sobretudo, no confessionário, seguido da sacristia.
“As vítimas que referiram não ter revelado a violência de que foram alvo por medo de não ser acreditado, culpa e vergonha apresentam níveis de impacto global mais elevados. Estes dados são especialmente importantes para a avaliação do dano”, indica o relatório.
“A pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa na quase totalidade dos casos (91.9%)”, acrescenta o relatório.
O Grupo Vita, em funcionamento desde 22 de maio de 2023, aborda as estratégias da pessoa que cometeu a violência sexual, precisando que existe, “na quase totalidade das situações, o ‘abuso de autoridade’, resultante do estatuto da pessoa agressora”.
45% das vítimas referem que a situação abusiva ocorreu durante 1 ano ou mais, com “manipulação emocional” e recurso à religião como “uma ferramenta de controlo e justificação” para as suas ações.
Desde que entrou em funcionamento, o Grupo Vita recebeu 587 chamadas telefónicas: 322 em 2023, e 265 em 2024.
Relativamente aos pedidos de ajuda por parte de vítimas de violência sexual e pessoas que cometem/cometeram crimes de natureza sexual no contexto da Igreja, foram identificadas 118 vítimas de violência sexual (69 em 2023 e 49 em 2024) e uma pessoa (leigo) que cometeu crimes sexuais no contexto da Igreja.
Entre as chamadas telefónicas recebidas, 34 eram relativas a situações não relacionadas com a missão do Grupo Vita (16 em 2023, e 18 em 2024).
Após análise de todos os contactos, foram caracterizadas as 62 vítimas atendidas individualmente pelos elementos do organismo.
“Entre os atendimentos realizados até à data deste relatório, a maioria das vítimas (71%) recorreu exclusivamente ao Grupo VITA para relatar a sua situação, enquanto 29% das situações já haviam sido também sinalizadas à Comissão Independente”, pode ler-se.
A idade mais prevalente de ocorrência da situação abusiva situa-se, neste terceiro relatório, nos 10 e nos 11 anos; quanto aos agressores, “mantém-se o padrão de serem sobretudo do sexo masculino e pertencentes a um contexto diretamente ligado à Igreja”.
As vítimas apontam a necessidade de estabelecer “canais de denúncia” e “códigos de conduta”, com ações preventivas, pedindo a “revisão das questões do celibato na Igreja” e a “vivência da sexualidade de um modo mais saudável”.
As consultas de psicologia e de psiquiatria “continuam a ser asseguradas pela bolsa de profissionais constituída pelo Grupo Vita, sendo que a Igreja (Dioceses e Institutos de Vida Consagrada) suporta todos os custos associados”.
Além do terceiro relatório de atividades, foram também divulgadas três brochuras para diversas estruturas da Igreja, “numa perspetiva de sensibilização e de disponibilização de recursos que facilitem a abordagem do tema”.
Rute Agulhas assinalou que o número de casos relativos aos anos mais recentes é “muito residual”.
“Temos de apostar numa abordagem mais próxima das crianças e dos jovens”, assumiu.
A coordenadora do Grupo Vita disse acreditar que este trabalho “pode vir a ser seguido por estruturas”.
“Sinto, sentimos todos, que a Igreja está a dar um exemplo à sociedade civil”, realçou.
Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.
Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023.
A 22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo Vita para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.
Os pedidos de ajuda dirigidos ao Grupo Vita podem ser encaminhados para a linha de atendimento telefónico 915 090 000 ou através do formulário para sinalizações disponível no site www.grupovita.pt.
“O Grupo Vita continuará a desenvolver as suas ações, em torno dos seus quatro grandes eixos de intervenção, reforçando parcerias e canais de comunicação, numa lógica de trabalho em rede, contribuindo para a construção de conhecimento e também para a consolidação de boas práticas, que sejam promotoras de uma Igreja mais segura e acolhedora”, concluem os responsáveis.
(Com Ecclesia)