A semana que agora termina e a que vai entrar convocam-nos para uma reflexão sobre a natureza humana e a verdadeira alegria cristã.
Estamos a um passo de entrar na Quaresma, que é um tempo de conversão e austeridade, recheado de simbolismo. Desde logo o nome Quaresma que vem de Quarenta (40), os anos que o Povo de Deus passou no deserto até à entrada na terra prometida. Jesus preparou-se durante quarenta dias para a sua missão; e nós levaremos os próximos quarenta dias a preparar a Páscoa.
Na Quaresma a liturgia despe-se de “aleluias e glórias” e convida-nos a um estreitamento de laços com a vida, na singeleza da fé e da oração. Aliás, o património espiritual cristão impele-nos, particularmente nesta época, a percorrer três caminhos: o da oração, durante a qual somos ouvidos, acolhidos e abraçados; o jejum, em que o ser se sobrepõe ao ter e a esmola, que testemunha um compromisso solidário por um mundo mais fraterno e mais atento ao outro. Sobretudo o mais marginalizado, o que mais sofre porque é através dele que vemos o rosto de Jesus.
O Papa Francisco, na homília da missa que celebrou domingo com os novos cardeais,- a quem pediu que a purpura se transformasse em serviço e não em honra- reafirmou que é no Evangelho dos marginalizados que se joga, se descobre e se revela a nossa credibilidade como cristãos. E, por isso, convidou os cardeais a servirem todas as pessoas marginalizadas desde as vítimas da fome aos desempregados, sem esquecerem os que perderam a fé ou os que se declaram ateus.
“A disponibilidade total para servir os outros é o nosso sinal distintivo, é o nosso único título de honra” disse Francisco a partir do relato do leproso.
Ao tempo de Jesus, as vítimas desta doença eram consideradas impuras e o contacto com elas era proibido pela lei religiosa judaica. A resposta de Jesus ao pedido do leproso foi célere e sem calculismo, apenas assente na lógica do amor, que rejeita o medo e está do lado da liberdade.
É por causa deste espírito que a igreja está no mundo. Não para celebrar ou se deixar deslumbrar por “purezas ritualistas”, que deixam de fora dos seus esquemas “qualquer carícia ou ternura”, como bem sublinhou o Papa Francisco, mas para ir ao encontro do outro, do que sofre e do que nada tem, lutando contra a naturalização da pobreza, pela compaixão e pela misericórdia.
Jesus sacudiu intensamente as mentalidades mais fechadas da época. Correndo riscos. Agitando consciências. Denunciando injustiças. O drama de Jesus não está fora de nós. A nossa cruz não é diferente da Dele. Todos os dias.
O drama que se evoca na Quaresma é, afinal, a atualização do drama de Jesus numa opção decisiva pela fé e pelo amor. No mundo e não só dentro de um espaço, por melhor que seja o templo.
O tempo litúrgico da Quaresma começa com a cerimónia de cinzas. “És pó e ao pó voltarás”, diz-nos o livro do Génesis, apresentando-nos o pó como uma espécie de destino. A pergunta que se impõe é se o conseguiremos transformar em lume, alguma vez… julgo que bastarão a simplicidade e o amor.