11 de maio de 1991.
“Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10, 42).
1. Já há muitas gerações que a referida “melhor parte” se tornou também a vossa parte, a que carinhosa e confiadamente dais o nome de “Senhor Santo Cristo dos Milagres” (Ecce Homo). O amor e a adoração ao nosso Redentor, sob o perfil do Ecce Homo, foi-se arraigando cada vez mais na vossa vida – já lá vão cinco séculos e meio de convivência vossa com o Senhor Santo Cristo, que encontra no meio de vós uma Casa hospitaleira, à semelhança da Casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria.
Daqui, deste “Campo de São Francisco”, com o meu olhar no Santuário do Senhor Santo Cristo, estendo a minha saudação amiga a todos os habitantes de São Miguel e das restantes Ilhas Açorianas. Saúdo todos os presentes nesta Celebração da Palavra, com menção primeira e deferente para o Senhor Presidente da República e para as Autoridades Locais; o meu abraço fraterno ao vosso Bispo, Dom Aurélio, a quem afectuosamente agradeço as palavras repassadas de carinho e esperança pelo Rebanho, que, há momentos, em vosso nome me dirigiu. Saúdo cordialmente os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, tanto aqueles que vivem a sua generosa entrega ao Senhor no vosso meio, como os que daqui partiram para servir o Reino de Deus junto de quantos ainda o aguardam. Permiti-me uma palavra especial, de bênção e encorajamento às Ordens Hospitaleiras dos Irmãos de São João de Deus, e das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, no quinquénio jubilar que estão a viver, para que nunca desfaleçam na realização e no anúncio do pregão de caridade que São João de Deus, vosso concidadão do século XVI, lhes deixou: “Fazei o bem, irmãos!”.
Mas ao contemplar a numerosa juventude que aqui acorreu para ver e escutar o Papa, o meu coração e a minha palavra envolve-a de um modo particular: queridos jovens, que sois os discípulos de Jesus do Terceiro Milénio, abraço-vos a todos e cada um de vós e asseguro, desde já, que a mensagem, que vos trago, me foi dada a conhecer pelo Espírito do Senhor nos anseios e propósitos de inumeráveis multidões de jovens de todo o mundo, à procura da felicidade.
2. “Maria sentara-se aos pés do Senhor e escutava a Sua palavra” (Lc 10, 39).
O Evangelho dá testemunho de inúmeras multidões, que acorriam a escutar a Palavra do “grande Profeta enviado por Deus ao Seu povo” (Cfr. Lc 7, 16), a ponto de o Senhor sentir necessidade de remediar um aparente descuido dessas multidões: “já há três dias que estão comigo, e não têm que comer. Se Eu os mandar em jejum para casa, desfalecerão pelo caminho, pois muitos vieram de longe” (Mc 8, 2-3).
A leitura evangélica de hoje coloca-nos diante de um cenário diferente: o Mestre entra numa casa, onde se sente bem-vindo e entre amigos, para repousar. Maria, presa das Suas palavras, senta-se aos Seus pés, a escutá-l’O, parecendo esquecer-se das lides domésticas, no que era certamente eficiente e cumpridora, porque Marta não tarda a queixar-se da sua falta. Jesus de Nazaré sentia-se à vontade com ambas as irmãs, e, na resposta a Marta, fala-lhe de uma “melhor parte”, de valores, de ideais que são melhores, porque ninguém os pode roubar: “Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 42).
Queridos jovens, à luz desta escala de valores de Jesus, convido-vos a avaliar comigo os vossos anseios, porque há “grandiosas propostas” que vos fazem e terminam em coisa nenhuma, deixando-vos desiludidos; como há, pelo contrário, desafios para andar por caminhos certamente difíceis, mas com a garantia de encontrardes neles um pedaço mais da vossa personalidade, que ninguém vos roubará! A juventude é a época de armazenamento para a vida, tempo de formação para as grandes responsabilidades do amanhã. Estai alerta contra o chamariz de um mundo que quer explorar e manipular a vossa busca honesta e generosa de felicidade e orientação!
3. “Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”(Lc 10, 42).
Quantos esforços inúteis, quantas desilusões, quantos fracassos, por se ter posto a confiança e o centro da vida fora de Deus! É Ele a “melhor parte”… Quantos jovens buscam desesperadamente a felicidade, sem se darem conta de que o único que pode saciar deveras o coração humano, é Deus. “Fizeste-nos, Senhor, para Ti – exclama Santo Agostinho – e o nosso coração viverá inquieto, enquanto não repousar em Ti” (St. Agostinho, Confessiones, I, 1)! Esta é a grande verdade que dá sentido à vida. Porque saímos das mãos de Deus, só em Deus encontrará descanso e felicidade a nossa alma.
Queridos jovens, no caminho da vossa vida, não abandoneis a companhia do Senhor! O meu maior desejo para cada um de vós é que os caminhos da vossa juventude se cruzem com Cristo, “o verdadeiro herói, humilde e sábio, o profeta da verdade e do amor, o companheiro e o amigo dos jovens” (Patrum Concilii Oecum. Vat. II Nuntius quibusdam hominum ordinibus datus, “Ad iuvenes”, die 8 dec. 1965: AAS 58 (1966) 8-18), o único que vos pode fazer felizes. Não O deixeis de lado, para vos voltardes para a adoração dos falsos ídolos, inertes e que nada sabem das vossas inquietações.
Jesus de Nazaré, e só Ele, poderá preencher essa fome de infinito que se abriga dentro dos vossos corações. Quando serenamente detendes os vossos passos junto d’Ele, o Seu olhar de amor (Cfr. Mc 10, 21) fixa-se sobre vós. Tendes necessidade deste Seu olhar amoroso: é a mais linda janela que se abre para o paraíso! Fareis então a experiência de serdes amados eternamente, e sente-se a vida recomeçar: crescereis por “contacto” com Deus. O meio para o conseguir é a oração. Aprendei a rezar e rezai; abri os vossos corações e as vossas consciências diante d’Aquele que vos conhece melhor do que vós mesmos. Falai com Ele. Aprofundai a Palavra de Deus, lendo e meditando a Sagrada Escritura. À semelhança de Maria, que, “sentada aos pés do Senhor, escutava a Sua palavra” (Lc 10, 39).
4. Através do vosso diálogo com Jesus, “que conhece o que há no homem” (Jo 4, 25), podereis compreender serena e profundamente o vosso projecto concreto de vida: “Que devo fazer para que a minha vida alcance todo o seu valor e pleno sentido?”. Eis uma questão fundamental, que pouco a pouco se vai impondo a cada um de vós, precisamente no período da juventude. Sobre ela, vos interrogais a vós mesmos, e questionais os vossos pais e educadores. “Por vezes fazeis a pergunta de maneira impaciente, e todavia a resposta não pode ser apressada nem superficial, porque encerra em si a totalidade da existência humana” (Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes internationali vertente anno iuventuti dicato, 3, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 762). Não vos esquiveis a esta pergunta, não a suprimais na vossa vida, porque nela vos descobrireis senhores e construtores do vosso destino. Ela manifesta o vosso desenvolvimento.
Na Mensagem que vos dirigi este Ano, convidei-vos à contemplação da vossa dignidade e grandeza de Filhos de Deus: “Recebestes um Espírito de filhos adoptivos, pelo qual clamamos: Abbá! Pai!” (Rm 8, 15). “Como não nos maravilharmos diante desta perspectiva assombrosa? O homem – um ser criado e limitado, mais, um pecador – está destinado a ser filho de Deus! … Deixai que este assombro sagrado vos invada e inspire acada um de vós uma adesão cada vez mais filial a Deus, nosso Pai” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius ad iuvenes de VI Die Mundiali Iuventuti dicato 1991, 1, die 15 aug. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 215s). Sabedores de que Deus é o vosso Criador e Pai, deveis colocar-Lhe a questão do vosso projecto de vida: “Que devo fazer? Qual é o Vosso plano em relação à minha vida, o Vosso plano de Criador e de Pai? Qual é a Vossa vontade? Eu desejo realizá-la”.
Assim o projecto de vida que estais a imaginar e a construir nascerá do mais fundo de vós mesmos, e corresponderá à vocação a que Deus vos chama, porque a vida, sendo um dom do Alto, só se realizará plenamente na resposta a um chamamento que vem do Alto e se faz ouvir no segredo do vosso coração jovem.
5. Qual pode ser a mensagem enviada por Deus ao vosso coração? Fala-vos o Discípulo amado de Cristo, o Apóstolo João, através das palavras da sua Carta, há pouco proclamadas: “Eu vos escrevi, filhinhos, porque conheceis o Pai. … Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, porque a Palavra de Deus permanece em vós, e porque vencestes o Maligno” (1Jo 2, 14). Estas palavras, que remontam a quase dois mil anos atrás, são vigorosas, constituindo para vós simultaneamente um encorajamento e um desafio.
Com efeito, palpita, nos vossos corações juvenis, o desejo de uma fraternidade autêntica entre os homens: o homem é o próximo do outro homem; o homem é um irmão para o outro homem! Ora este vosso desejo de fraternidade testemunha o facto de que vós “conheceis o Pai”, porque os homens são irmãos só quando houver um Pai; e este, deu-no-lo a conhecer Jesus Cristo quando nos convidou a rezar: “Pai Nosso, que estais no céu! ” (Mt 6, 9). A oração do “Pai Nosso” resume a Boa Nova de Jesus de Nazaré, que surpreendentemente se faz vida, nas mais profundas e universais aspirações da humanidade actual. O Apóstolo escreve que vós, jovens, sois fortes, porque a Palavra de Deus permanece em vós, e infunde em vossos corações o amor, a benevolência, o respeito pelo homem, pela sua vida, pela sua dignidade, pela sua consciência. Se “vós conheceis o Pai”, sois fortes com o poder da fraternidade humana.
Sois fortes também para a luta: não para a luta contra o homem, mas contra o mal, ou melhor – chamando pelo nome, o primeiro artífice do mal -, sois fortes para a luta contra o Maligno. A táctica deste consiste em não se revelar abertamente, a fim de que “o mal, por ele inoculado desde o princípio, cresça a partir do próprio homem, dos próprios sistemas e das relações entre os homens, entre as classes e entre as Nações… para se tornar cada vez mais “pecado das estruturas” e cada vez menos se deixe identificar como “pecado pessoal”. Consequentemente, para que o homem se sinta de algum modo “liberto” do pecado e, ao mesmo tempo, se venha a encontrar cada vez mais mergulhado no pecado” (Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes internationali vertente anno iuventuti dicato, 15, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 798s). É preciso remontar constantemente às raízes do mal e do pecado, atingir os seus mecanismos escondidos. Jovens, vós sois fortes e vencereis o maligno, se “a Palavra de Deus permanecer em vós”. Deste modo, conseguireis gradualmente modificar o mundo, transformá-lo, torná-lo mais humano, mais fraterno, rumo à civilização do amor.
6. Caros jovens, meus amigos, quando tiverdes de escolher entre o amor e o egoísmo, lembrai-vos do exemplo de Cristo, e corajosamente segui a opção de amor. Assim o vosso projecto de vida, por vontade de Deus, deverá realizar a vocação do amor… O amor é a vocação única do homem, podendo ser realizada no matrimónio ou na doação total de si mesmo pelo Reino dos Céus. Desejo repetir aqui hoje quanto vos disse em Santiago de Compostela: “Jovens, não tenhais medo de ser santos! Voai alto, sede daqueles que apontam para metas dignas de Filhos de Deus” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius ad iuvenes de VI Die Mundiali Iuventuti dicato 1991, 3, die 15 aug. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 217). No centro do vosso agir, esteja Cristo! Segui-O, imitai-O!
Com o coração enamorado e fascinado pelo Senhor, alguns de vós sentem que Jesus os convida e segui-l’O mais de perto, e lhes pede tudo. Não tenhais medo e dai-Lhe, se vo-lo pedir, o vosso coração e a vida inteira. A Igreja e o mundo de hoje têm uma enorme necessidade do testemunho de vidas dadas sem reserva a Deus, do testemunho de um amor esponsal ao próprio Cristo. São as vocações de especial consagração ao sacerdócio, à vida evangélica na sua radicalidade de castidade, pobreza e obediência, e de consagração à vida missionária. São vocações nas quais um homem ou uma mulher, por amor do Reino de Deus, adoptam como seu programa de vida pessoal, o programa que o próprio Cristo realizou na terra. Desejaria dizer-vos a todos e a cada um de vós, jovens: se um tal chamamento chegar ao teu coração não o sufoques; escuta o Mestre que diz: “Segue-Me!”. Encontrarás à tua frente uma vida fascinante e rica de frutos, precisamente a “melhor parte que ninguém vos roubará”!
7. Cristo – Ecce Homo: “o Senhor Santo Cristo dos Milagres” tem “palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Elas confirmam a verdade, experimentada por cada homem: a verdade da caducidade do mundo. Mas ao mesmo tempo essas Palavras, e sobretudo a Sua Cruz e Ressurreição, mostram a verdade da Vida eterna: “quem faz a Vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2, 17).
Caros irmãos e irmãs, ao agradecer-vos o encontro de hoje, desejo veementemente que os vossos ouvidos nunca se tornem surdos ao apelo que vos vem da Palavra de Deus. Que os vossos corações amadureçam para a vida em Deus, esta “melhor parte” da qual ninguém será capaz de vos privar. Amém!