Bispo de Angra inaugurou a XX Edição das Festas do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada com uma conferência sobre a “A sinodalidade ao serviço da fraternidade humana”
O principal desafio da Igreja, e da sociedade, passa por encontrar lideranças de “serviço e de comunhão” que privilegiem a ação e o trabalho conjuntos em vez de estruturas verticais de comando que podem criar iniciativas mas não desenvolvem comunhão, afirmou esta noite o bispo de Angra na conferência de abertura da XX edição das Festas do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada, intitulada “A sinodalidade ao serviço da fraternidade humana”, na qual deixou um apelo a que estas festas privilegiem a “fraternidade e a partilha” e não contribuam para o esvaziamento da tradição local.
“Não podemos correr o risco de a deixar perder força nos lugares de origem” afirmou recordando que sempre que se tentou “controlar” os seus dinamismos próprios “todos saíram a perder”.
“É do interesse de todos proteger e dar força a esta forma de religiosidade popular tão açoriana, tão nossa, única no país e no mundo, e tentar perceber como, em tempos muito mediáticos e concorrenciais, as manter genuínas e bem enraizadas nas suas dinâmicas locais, nos seus lugares familiares e de proximidade. Oxalá estes grandes festejos sejam prova da sua força, mas também tenham retorno para a valorização local”, afirmou.
A partir do tema à volta do Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, e no âmbito do momento de reforma que a Igreja vive – uma espécie de refontalização indo às origens do Cristianismo em busca da sua genuinidade evangélica e da força missionária dos primeiros cristãos tão necessários hoje- o prelado desenvolveu a questão da sinodalidade na Igreja “essa palavra de milénio, que vai exigir tempo, coragem e paciência e das suas potencialidades para a construção de uma fraternidade universal, onde tudo seja de todos”. E, fê-lo a partir de três premissas: a “pertença recíproca e responsabilidade recíproca capazes de fraternidade e que não admita assimetrias”, “a desclericalização da Igreja” e a “igualdade fundamental entre todos os seus membros”.
“O mundo e as nossas comunidades necessitam de líderes de comunhão, isto é, de pessoas convencidas e decididas, certamente também enérgicas, mas também capazes de privilegiar o nós em detrimento do eu, que suscitem o consenso, que invertam a tendência de competitividade e encontrem tempo e espaço para todos também para os mais frágeis e sobretudo para estes. Com este tipo de líder surgem os talentos de todos” afirmou D. Armando Esteves Domingues.
“Estamos a viver uma estação eclesial excecional que pede conversão pessoal, estrutural e das comunidades para “saírem” e se tornarem mais missionárias, conduzidas pelo Espírito Santo”, afirmou, salientando que “é impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todas as componentes do povo de Deus”.
“Chegou o momento de escutar a todos, de dialogar com todos, de discernir juntos. O nosso caminho não pode levar a uma simples cosmética exterior nem sequer a uma adaptação a nível de estruturas, mesmo se, em muitos casos indispensável”, disse ainda.
D. Armando Esteves Domingues apelou à transformação das estruturas participativas “reativando a sinodalidade dentro das igrejas locais”.
“Só o Espírito Santo pode ajudar-nos a converter pastoralmente as nossas paróquias, para que se tornem lugares onde os leigos assumam as suas responsabilidades pastorais e os sacerdotes remodelem a sua presença e a sua relação com os outros. Diante disso, trata-se de envolver todos os fiéis para que se sintam capazes de iniciativas de comunhão”, disse, explicitando claramente o que é a sinodalidade: “não é buscar uma maioria nas soluções pastorais, não é ser um parlamento “católico”. É algo diferente. O estilo sinodal não é só discussão. Não se trata apenas de convergência prática nas escolhas pastorais. É ação do Espírito Santo no coração da Igreja que leva ao discernimento”.
“Hoje, não basta uma vaga solidariedade social e muito menos uma globalização forçada. A pandemia sugere uma categoria inspiradora que direcione a todos para um compromisso. Esta categoria é a da pertença recíproca e responsabilidade recíproca capazes de fraternidade e que não admita assimetrias” afirmou.
“A melhor maneira de dialogar não é o de falar e discutir, mas fazer algo juntos, fazer projetos, construir juntos, não sozinhos, entre os católicos, mas também com todos aqueles que têm boa vontade. Só assim podemos chegar a uma síntese das diferentes riquezas culturais, mas que não anulem ninguém”, enfatizou, destacando que a Igreja pode ser “fermento de diálogo, de encontro e de unidade”, dando “o seu contributo crítico e interagir com outras culturas em vista do bem comum, no horizonte mais amplo do anúncio do Evangelho num tempo de reforma”.
“Ouvindo o povo, somos convidados a olhar para o plano último da realidade. Antes de procurar a eficácia a todo o custo, é consciente de que cultivar as relações é a coisa mais fecunda a longo prazo” e que permitirá, segundo o prelado “Superar barreiras e preconceitos”, “Promover a justiça e a reconciliação” e “Trazer testemunho e impacto social”.
“O testemunho de uma vida transformada pelo Espírito Santo pode inspirar outros a viverem em fraternidade, a se preocuparem com as necessidades dos outros e a se envolverem em ações que promovam a justiça, a paz e a solidariedade”, afirmou o bispo de Angra.
“Ao abraçar o poder transformador do Espírito Santo, somos chamados a viver em fraternidade e a trabalhar para construir uma sociedade mais harmoniosa, onde cada pessoa seja valorizada e respeitada como irmã ou irmão. Se a sinodalidade for o estilo de vida das comunidades será como uma escola de cidadania ativa e respeitadora de pessoas e bens. Será um dom para a Igreja, para a sociedade e potenciará os dons que cada um recebeu para os colocar ao serviço do bem comum”, disse ainda.
“É tempo de sonhar homens e mulheres que se escutam e caminham em harmonia. Sonho para a nossa Igreja um clima mais ardente; uma Igreja que se mostre ao mundo mais bela, mais santa, mais carismática, mais conforme ao modelo de Maria, por isso, mais dinâmica, mais familiar, mais íntima e mais configurada a Cristo seu Esposo. Sonho-a farol da humanidade e a testemunhar uma santidade de povo, nunca vista” concluiu salientando que é uma tarefa de “milénio”.
O prelado preside pela primeira vez às Festas do Espírito Santo de Ponta Delgada, uma organização da Câmara Municipal da maior cidade açoriana, iniciada no primeiro mandato de Berta Cabral em parceria com várias forças vivas do concelho, entre elas a Associação Cultural de São José, Escuteiros, Irmandades do Espirito Santo e Igreja.
A 20ª edição das Festas do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada realiza-se de 5 a 9 de julho, para além da conferência de abertura e da coroação, respetivamente no primeiro e último dia de festa, do programa destaca-se a bênção da despensa – carne pão e vinho – e inicia-se a recitação do Rosário que estará a cargo da Legião de Maria, no dia 7 (sexta-feira), e, no sábado, a distribuição das pensões às IPSS do concelho, o desfile alegórico, na Avenida Infante D. Henrique, e as “tradicionais sopas do Espírito Santo”, no Campo de São Francisco.