Por Carmo Rodeia
Temos um novo Bispo na diocese. D. João Lavrador chegou há quatro meses e já procurou fazer-se um de nós. E digo um de nós porque também não nasci nos Açores mas sinto-os como uma segunda pele. Quem para aqui vem por opção, ou por força das circunstâncias, sabe que não tem outro remédio: ou se adapta ou se adapta. Mais do que uma intenção ou profissão de fé é uma necessidade. E, D. João Lavrador percebeu isso rapidamente fazendo-se à estrada, por mar e pelo ar, palmilhando as ilhas ao lado da imagem da Virgem Peregrina. Fê-lo como se já as conhecesse todas e cada um dos açorianos, percebendo que estar próximo é estar no meio deles, seja em momentos de maior ou menor expressão de uma fé mais piedosa ou mais adulta.
Ainda bem, porque se há legado que lhe é deixado é justamente o da proximidade.
D.António de Sousa Braga, por feitio e, quem sabe se algumas vezes por defeito, em prejuízo de si próprio, é um homem simples e humilde, daqueles em que fica claro que a procura de Deus é a dimensão mais forte da sua existência, como se essa procura – humilde, inacabada, sempre a ser reconstruída– fosse o seu único alimento.
Lembro-me do dia em que chegou à Região e o suspiro que muitos lançaram por ver chegar um dos seus. Mariense, nascido na primeira de todas as ilhas e abençoada por Nossa Senhora, “a porta da misericórdia” como não se tem cansado de dizer, era visto como um refrescamento da Igreja insular.
Lembro-me, ainda, de um dia (e não foi há muito tempo) lhe ter perguntado quando se tornou amigo de Deus. Sorriu, olhou para mim e só poderia ter respondido desta maneira: “acho que foi antes de eu ter sabido”.
“A Deus nunca ninguém o viu”, diz-nos S. João e repetiu várias vezes D. António, sobretudo nas suas catequeses quaresmais ou nas homilias, sempre com uma palavra direta e concreta para as pessoas, para além da própria palavra de Deus.
Há dias, quando estive com ele em Angra disse-lhe: “Senhor Bispo tenho saudades das homilias dos três pontos: a palavra, a catequese e a exegese”… sorriu, e no domingo, quando celebrou a última missa na Catedral, que foi sua durante quase 20 anos e lhe perguntei, a partir de Fátima, se tinha escrito alguma coisa respondeu-me: “gatafunhos que tu conheces e que não são novos, mas vou te mandar”. Não foi preciso, a gravação da rádio ajudou à transcrição.
Prefere sempre a conversa ao discurso; ouvir em vez de falar e quando é interpelado por isto e por aquilo, responde com naturalidade: “a opinião é livre e cada tem direito a ter a sua”. Ouviu-o dizer isto mais do que uma vez.
Ao longo do tempo que privámos, mais nestes últimos três anos, sentiu-o particularmente feliz quando soube da beatificação do Papa Paulo VI, “é o meu papa”. Estávamos no Palácio de Santa Catarina em Angra, num conselho presbiteral, num ambiente bem contrastante ao vivido na diocese, quando as finanças descambaram ou a natureza destruiu parte das igrejas do Faial e do Pico ou quando, por causa do adorno de uma Imagem, foi enxovalhado em publico por alguns, bem próximos.
Um dos momentos em que o senti triste foi no dia de Nossa Senhora de Lourdes, em 2015. D. António assumia publicamente a sua doença, a partir da Sé, sendo o rosto humano do sofrimento. Á tarde deixava claro que o Cabido que tinha acabado de restituir à Sé, 15 anos depois, era uma decisão em nome do serviço e não de honras ou privilégios.
Nunca fui a Taizé, e tenho pena, mas sei que há uma oração que se diz lá com muita regularidade e que aprendemos: “Senhor, estou aqui à espera de nada.”
Com o tempo, esta oração tem-se transformado numa espécie de tocha para o meu caminho. E ela foi ateada pelo exemplo de D. António. Obrigada.