Por Renato Moura
“Habituem-se!”, afirmou o 1.º Ministro numa recente entrevista. Soou como invectiva, ficará para a história da política. Não será por bons motivos, pois despejada do alto duma arrogância que a democracia não pode prezar; nem a maioria absoluta pode justificar.
António Costa quer que nos habituemos a quê? A aceitar sem perguntar? A não protestar, embora sem concordar? A oposição fechar-se em copas face à maioria não merecida e nem por ele esperada? A aceitar sem rebuço ministros e secretários de estado sem perfil nem dignidade para as funções? A não responsabilizar o Chefe do Governo por tantas escolhas sem avaliação dos percursos e do carácter?
Quem em democracia se pode habituar a um diálogo de mera formalidade? Quem se pode conformar com uma maioria e um governo, sem ética nem estabilidade, esquivos à fiscalização da Assembleia da República? Quem pode esperar habituação do povo a discursos com o objectivo de nos convencer que Portugal está no topo da Europa? E alguém poderá acostumar-se a ouvir o 1.º Ministro a tratar de forma insolente líderes de partidos da oposição; ou a aconselhar jornalistas a desistirem de perguntas tidas por incómodas?
Não; o Governo é que tem de se habituar a servir, com governantes honrados; e a justificar-se sempre.
“Nós é que estamos bem, neste nosso cantinho”, dizem alguns dos pacatos cidadãos de parte destas ilhas, perante as graves crises da democracia. Pois é, estes já se habituaram, o espírito já se lhes embotou! Desaparecidos os jornais, nada de escandaloso aparece. Manejáveis assembleias municipais e de freguesia deixam os executivos em sossego, gastando orçamentos que a maioria dos eleitores não sabe a que se destinam e o que ficou por contemplar.
Nalgumas destas terras vamos regredindo, anestesiados devagarinho e já sem dor. Com anestesia não há progresso. Foi-se a maioria das produções: dos cereais, dos tubérculos e vegetais, da manteiga e do queijo (resta o artesanal). Importa-se de tudo, se e quando houver navio, ou pagando o transporte de avião. Pululam os incensos, as silvas, as canas rocas, transformando em mato as outrora terras de cultivo. Perdeu-se o espírito associativo, desaparecem as coletividades culturais, recreativas e desportivas. Praças e largos vazios e redes sociais cheias. Freguesias a esvaziar, habitações a ruir, casas tiradas do arrendamento para alojamento local. Presidentes e vereadores nos gabinetes!
Lá ou cá, não à habituação que gera torpor. Que acordemos em vida nova no novo ano, lutando pelos nossos direitos.