Há “um grito silencioso que pede a nossa ajuda” na recuperação plena da Igreja do Carmo na Horta, diz Monsenhor António Manuel Saldanha

O sacerdote natural do Faial apresentou o livro da autoria do atual ouvidor da Horta, Pe. Marco Luciano Carvalho, e que compila a história deste magnifico convento

A história do Convento do Carmo, na Horta, único convento e igreja da Ordem Carmelita nos Açores, está agora compilada na obra “A Igreja do Carmo- um património a descobrir” da autoria do Pe. Marco Luciano Carvalho, reitor da Igreja e ouvidor eclesiástico da Horta, lançada esta segunda feira no âmbito das comemorações da Solenidade de Nossa Senhora do Carmo.

“Esta obra procurou fazer um ponto de situação de todas as peças inventariadas pelo Museu de Arte Sacra da Horta, as suas condições físicas e a verdadeira noção do imenso património que se perdeu pelas vicissitudes da história e pela incúria dos homens” adiantou ontem na sua intervenção o autor que, desde que é reitor, tem sido um inestimável defensor da recuperação e conservação deste património.

O livro aborda de uma forma cronológica a edificação da Igreja do Carmo sob o ponto de vista arquitetónico, desde a sua construção até aos nossos dias. Esta primeira parte consta de um brevíssimo preâmbulo histórico e uma descrição da Igreja e dos altares, antes do seu encerramento para obras. Prossegue com uma resenha histórica sobre o processo de intenção da sua recuperação, através do recurso a relatórios técnicos e fotografias, desde 1999 até aos nossos dia, e termina com uma atualização do inventário do Museu de Arte Sacra, composto por mais de 400 peças.

“Espero sinceramente que este livro seja mais um contributo para continuarmos a fazer memória do passado, salvaguardando o património que os nossos antepassados nos legaram” adiantou ainda o autor lembrando que o livro nasceu de um “desafio” lançado pelo presidente da junta de freguesia da Matriz da Horta.

A obra foi apresentada por Monsenhor António Manuel Saldanha, antigo pároco da Matriz e Comissário da Ordem do Carmo entre 2005 e 2007, numa cerimónia que contou ainda com a presença do bispo emérito de Beja, D. António Vitalino Dantas, sacerdote da ordem Carmelita, e inúmeras autoridades políticas e civis do Faial.

O sacerdote começou por fazer o enquadramento histórico deste exemplar arquitectónico, nascido para “alimentar a espiritualidade carmelita entre o povo e para guarida e repouso dos frades que vinham de Lisboa para o Brasil ou desta então colónia para a capital portuguesa”, no século XVIII, fruto das esmolas resultantes da mendicância a que foram sujeitos os frades, presentes no Brasil, para os lados de Minas Gerais e “à munificência de algumas famílias faialenses – os Terra, os Lacerda e os Brum Silveira”.

“Depois de recuar nos séculos para conhecermos a génese desta magnífica fábrica de pedra, azulejo e madeira dourada e policromada que é a igreja do Carmo e feita a descrição das fachadas e interiores da mesma, convida-nos o P. Marco Luciano para o acompanharmos no percurso dos projectos de restauro do espaço arquitectónico de que nos ocupamos” afirmou o apresentador Pe. António Manuel Saldanha.

“A leitura do texto que elaborou, convenientemente suportado por imagens fotográficas, permite ao leitor conhecer em parte os esforços, os avanços e recuos, as dificuldades que os seus últimos Comissários e o autor desta publicação que é o atual Reitor do Carmo na Horta, tiveram que afrontar num período de mais de duas décadas.

O sacerdote juntou a sua voz à do autor do livro lamentando que desde 1996, altura em que a Igreja encerrou as suas portas ao culto até à meia dúzia de anos não tivesse sido possível um “diálogo institucional” capaz de ter “facilitado e abreviado” a aspirada conclusão dos trabalhos de recuperação deste património. E, lembrou que a recuperação até agora feita só foi possível graças a uma “série de enérgicas e decisivas iniciativas, com poucos recursos técnicos e económicos à disposição, mas com uma enorme tenacidade, persistência e amor” de uns quantos- o P. Marco Luciano, entidades políticas e um pequeno número de leigos da Matriz e dos Flamengos-, que “arregaçaram mangas e o resultado foi que nos dois últimos anos, uma nova sensibilidade para com um dos melhores espécimes arquitectónicos dos Açores, renasceu e deu lugar a uma dinâmica que se me afigura imparável”.

Monsenhor Saldanha aludiu ainda ao que está por fazer – recuperação de altares, capelas, estatuária- para desafiar todos os faialenses a empenharem-se na recuperação deste património.

“O vazio deixado pelas talhas apeadas na capela-mor e na capela dos Terceiros, é ainda um grito silencioso que pede a nossa ajuda”.

“Hoje talvez são as imagens que nos olham suplicantes como que a pedir-nos a nós herdeiros de um património que ainda nos finais de oitocentos contava bem cinco conventos e outras tantas igrejas já irremediavelmente desaparecidos, que cuidemos do que restou e estejamos à altura de uma herança forjada em tempos de pobreza económica e de penúria de meios técnicos”, acrescentou.

“Num passado de profunda tradição religiosa, que inspirou beleza artística insuspeita para quem visita pela primeira vez o nosso arquipélago, ancorado entre dois continentes, lança as suas raízes este exaustivo e muito interessante livro, que será certamente uma referência incontornável para a memória futura do complexo arquitectónico do Carmo e para se conhecerem os seus verdadeiros fundamentos”, concluiu.

O Convento do Carmo vai ser transformado em Centro Pastoral, graças a um protocolo celebrado com a Matriz da Horta que assegura a manutenção da igreja e as obras para que o Centro Pastoral possa ter dignidade e condições de funcionamento, não só para as atividades da Ordem Terceira, proprietária do espaço, e da Matriz mas também de todas as outras paróquias da ilha que necessitem. E a igreja reabriu no ano passado com uma série de altares por recuperar.

 

Um processo de recuperação tormentoso

A Igreja do Carmo encerrou as portas ao culto em 1996, altura em que começou a obra de restauro e conservação, graças a uma parceria entre a Ordem Terceira e o Governo Regional. A obra não correu bem por alegada má gestão; foi abandonada e as dividas foram-se acumulando sendo que o Governo acabaria por, em 2008, assumir o passivo da obra junto da empresa. Na altura constituiu-se uma comissão de gestão do património da Igreja do Carmo, liderada pelo recém chegado reitor, Pe. Marco Luciano Carvalho, que elaborou um plano escalonado de prioridades.

Este processo decorreu entre 2008 e 2011 e em 2011 iniciou-se a negociação com o Governo Regional para retomar o processo, levando a cabo um conjunto de obras para  imediata consolidação do edifício de forma a  assegurar o que já lá tinha sido feito. As obras decorreram em 2012, voltando a parar por falta de disponibilidade financeira. Apesar de ser reconhecida a importância do edifício nunca houve a correspondente disponibilização de um envelope financeiro que desse cobertura à intervenção.

Perante o impasse, os responsáveis da Ordem Terceira optaram pela recuperação da Capela dos Terceiros, cujas obras decorreram entre 2012 e 2015, altura em que a Capela reabriu ao culto e começou a acolher celebrações ao domingo. A presença crescente de actividade naquele espaço, o número de pessoas que começou a ir todos os domingos à missa naquela capela acabou  por determinar uma aceleração do processo de recuperação da Igreja principal do Convento, com um envolvimento direto da autarquia. Em 2017 as obras da igreja recomeçaram.

 

Igreja do Carmo da Horta

A Ordem Terceira do Faial é a proprietária deste imóvel, construído no século XVIII e mandado edificar por D. Helena de Boim, esposa do então Capitão-mor Francisco Gil da Silveira.

A edificação deste templo foi feita aproveitando o local da primitiva ermida cuja evocação era Nossa Senhora da Boa Nova, que havia sido construída cerca de 1639. Esta nova igreja foi edificada para satisfazer as necessidades de uma população crescente e em busca de maior dignidade. Assim, as obras da nova igreja iniciaram-se em 1698, mas só em 1797 ficaram concluídas, 99 anos depois, período de tempo que permite imaginar a grandiosidade da obra.

Na sequência da extinção das ordens religiosas pelo Liberalismo em 1834, o edifício viu-se perante uma situação de abandono, pelo que apenas se salvou devido aos esforços do Duque d’Ávila e Bolama, importante incentivo o impulsor para uma nova era de brilhante desenvolvimento sócio-cultural na Horta, doando o templo à Ordem Terceira do Carmo, no reinado de D. Maria II.

No seu interior é de destacar a capela-mor dotada por um trono, os altares laterais e a Capela dos Terceiros (anexada à Igreja), em talha dourada e com elementos característicos do estilo Rococó, bem como os preciosos painéis de azulejos policromadas em azul e branco e as esculturas religiosas (imagens estas que são maioritariamente do estilo “roca”).

Infelizmente e apesar do contexto histórico nacional e regional, o edifício não se encontra classificado nem sob qualquer forma de proteção até à data.

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