Por Carmo Rodeia
Possivelmente os nomes são difíceis de pronunciar e o bulício dos dias afasta-nos das notícias que os apresentam. Possivelmente ditos assim, sem mais, Greta e Nasrin serão apenas dois nomes, entre muitos outros estrangeiros que ouvimos pronunciar, e a que não ligamos, porque são nomes de outro mundo bem distante do nosso. Aliás entre o mundo de Greta e o de Nasrin há, para além da idade, um oceano que as separa e sociedades que as esmagam.
Greta Thunberg é uma jovem ativista, preocupada com as alterações climáticas. Aparece nas notícias pela sua juventude e pelo seu entusiasmado e incomum empenho da defesa da Casa Comum que é o Planeta.
Nasrin Sotoudeh é uma advogada iraniana, que tem dedicado a vida à causa dos Direitos Humanos e que por essa tão subversiva causa num estado teocrático, que teima em não reconhecer os Direitos humanos e muito menos os das mulheres, acaba de ser condenada a um total de 38 anos de prisão (33 anos por um caso e cinco noutro) e 148 chicotadas.
Greta e Nasrin transformaram-se em dois ícones das suas respetivas sociedades e devem constituir um exemplo para todos nós instalados na nossa vidinha, apegados ao comodismo do nosso sofá e à critica fácil, mais preocupados com o nosso umbigo do que com um sério e genuíno comprometimento com o bem comum, como é nossa obrigação.
Greta e Nasrin são duas mulheres comprometidas com as causas que são suas mas também da humanidade. Não sei se Greta é cristã, mas sei que Nasrin é muçulmana. Mas isso pouco importa. Une-as a defesa do bem comum, a liberdade e o amor pelo outro. à boa maneira de Jesus.
Em agosto do ano passado, com apenas 16 anos, Greta iniciou a primeira greve escolar numa sexta-feira, sozinha, em frente ao Parlamento sueco. Em novembro participou numa palestra na TEDx em Estocolmo, durante a qual perguntou: “porque hei de preparar-me para um futuro que pode não existir?” Em dezembro, discursou na Cimeira do Clima da ONU, acusando os líderes mundiais de não serem “suficientemente maduros para encarar os factos e deixarem o peso das alterações climáticas para as crianças”. Em janeiro, no Fórum Económico Mundial de Davos, provocou: “Eu não quero que sejam esperançosos, quero que entrem em pânico. Quero que sintam o medo que eu sinto todos os dias e depois quero que ajam”.
Esta semana, Greta foi nomeada candidata ao Prémio Nobel da Paz. E hoje, inspirou jovens em todo o mundo, numa greve que se estende a mais de 30 cidades e vilas portuguesas e a muitas outras espalhadas por uma centena de países em nome da defesa do Clima, em particular do aquecimento global, essa “invenção Chinesa” qual “dogma marxista”. Sim, porque se o aquecimento global for além de 1,5ºC acima das temperaturas verificadas na era pré-Industrial será difícil viver neste planeta no final do século ou mesmo antes.
Das duas uma: ou mantemos o discurso de que os jovens não se interessam pela política (não pela politiquice partidária!) e consideramos estas ações como giras e irreverentes, próprias da imaturidade juvenil que nem sempre se preocupa com as causas certas ou então ouvimo-los e temos de lhes dar o devido valor, sendo nós próprios consequentes.
A causa de Nasrin é outra. Tem dedicado a sua vida a trabalho humanitário de paz, defendendo mulheres que protestam contra as leis do hijab no Irão, isto é, não poder sair de casa a menos que o cabelo, braços e pernas estejam cobertos.
Em 2010, a advogada já tinha sido presa e sentenciada por defender manifestantes do Green Movement, um grupo de oposição ao regime. Já na altura, a sua detenção levantou uma onda de críticas internacional e Nasrin chegou a fazer uma greve de fome, depois de lhe serem negadas visitas dos dois filhos. Após passar três anos na prisão, foi libertada em 2013 mas continua proibida de representar casos políticos ou sair do Irão até 2022. Ganhou o Prémio Sakharov pela Liberdade de Pensamento, em 2012, devido ao seu trabalho no apoio a presos que estão no corredor da morte, foi acusada e detida por ameaça à segurança nacional, em junho de 2018. Antes da detenção, a mulher, de 55 anos, tinha defendido em tribunal vários casos de mulheres presas por aparecerem em público com a cabeça descoberta – em protesto contra o código de conduta que vigora no país.
Os seus crimes, segundo o tribunal, incluem “propaganda contra o Estado”, “distúrbio da paz pública e ordem”, “aparecer em tribunal sem hijab“, “encorajar a corrupção e a prostituição” e “insultar o líder supremo do Irão, Ayatollah Ali Khamenei”. De acordo com a Amnistia Internacional, esta é a sentença “mais dura” registada contra um defensor de direitos humanos nos últimos anos, o que sugere que as autoridades estão a aumentar os níveis de repressão no país. A União Europeia já pediu uma “revisão imediata” da sentença que nas palavras de Federica Mogherini, a alta representante para a política externa da EU, “é absolutamente chocante”.
É idílico falar de religião, de tolerância e de liberdade sem levar em consideração as questões concretas com que as pessoas se debatem, alheados do mundo e das situações que ele nos apresenta.
Se São Francisco de Assis, invoco-o porque na sua vida casta e de pobreza, como na de tantos outros santos, o bem comum é transversal à sua conduta com um particular enfoque na natureza, voltasse hoje à terra e visitasse o nosso Planeta o que será que dizia? Se fosse ao Médio oriente e verificasse o grau de destruição, humana e física que ali acontece como reagiria? Ou fosse a outras partes do globo e percebesse as guerras intestinas por causa de um pedaço de terra, a desigual repartição dos bens e por ai fora, o que será que pensava?…
Penso que não será necessário responder. Todos anteciparão a resposta. A natureza não mudou, seja por convicções políticas seja por religiosas. O que existe é de facto uma arrogância de quem tem o poder, uns porque foram eleitos em atos eleitorais livres; outros porque se impuseram como representantes divinos na Terra.
Até quando vamos ser conviventes com uns e com outros? Sim, porque o egoísmo do nosso conforto não rima com a defesa do bem comum.