Por Renato Moura
No tempo em que vigorava o acordo luso-francês, relativo à utilização de facilidades na ilha das Flores, as reuniões da Comissão Conjunta de Acompanhamento da Execução realizavam-se três vezes por ano, habitualmente uma em Lisboa, outra na França e outra nas Flores. A parte francesa, dada a dificuldade de compreender o português, sempre pedia para serem realizadas em francês e isso era aceite. Sendo um dos representantes da Região Açores, nessa Comissão, recebi o encargo de realizar nas Flores um jantar (e organizei, nas Lajes, com pratos inteiramente da gastronomia florentina) oferecido às delegações e de discursar na circunstância. Fi-lo em português. Depois, disse que a justificação de umas palavras em francês era de simpatia para os menos habituais; na prática foi quase a tradução integral, mas ficara marcado o respeito pela nossa língua.
Recentemente fui abordado por mais de um turista, procurando obter informações, em inglês. Acabei percebendo que se tratava de cidadãos franceses que já não confiam, nem tentam afirmar a sua língua internacional!
O português é a língua oficial de muitos milhões de pessoas, em vários continentes. Causa-me imensa perplexidade quando alguns portugueses, detendo destacadas posições em organizações internacionais, não discursam em português, tanto mais que hoje, nesses fóruns, há tradução simultânea!
Presentemente usa-se e abusa-se da utilização de expressões em língua inglesa, apesar de muitas delas terem tradução.
Já bastava o inaceitável e habitualmente designado “novo acordo ortográfico”, que felizmente muitos não usam, mas tarda em se anular e se impõe nas escolas. Mas os demais atropelos à língua portuguesa são cada vez mais frequentes. Não são apenas na linguagem do dia a dia. Ocorrem em declarações solenes, em escritos formais, em reportagens nas televisões, em notícias de jornais.
No passado dia 15 foi aberto ao público o monumento, projectado por Souto Moura e construído pela “Infraestruturas de Portugal”, o qual constitui o memorial de homenagem às vítimas dos incêndios de 2017, em Pedrógão Grande.
Vem agora o Governo, com o habitual apoio do Presidente da Assembleia da República, declarar que o vai “inaugurar” no dia 27! Diz o dicionário que «inauguração» significa “acto ou cerimónia em que se expõe algo pela primeira vez ao público”; é o atropelo ao dicionário! Mas sobretudo é politicamente grave, pois uma gorada tentativa de tapar um erro inexplicável.
No dicionário de Costa, escala técnica, convite, reunião, ou simpatia, são sinónimos?!