A leitura é de José Luís Neto, quadro superior da Direção regional de Cultura e doutor em Arqueologia Pós-medieval, autor de vários livros da especialidade e conta com cerca de uma centena de artigos publicados nas áreas da história, arqueologia, património e museologia.
“Em primeiro lugar cumpre-me declarar, para elucidar o leitor, que sou um católico, nada praticante e sem desejo de o ser. Então, que sentido e legitimidade encontrar para falar sobre o aniversário de um pontificado onde não milito? Essa é a questão para a qual peço a vossa melhor compreensão.
Sou católico porquanto nasci neste país que o é; e desse imenso legado cultural, mental e moral, por vezes me orgulho, outras nem tanto, mas sei que inegavelmente lhe pertenço.
O meu pensamento existe dentro das suas possibilidades. Se tivesse nascido noutras longitudes, não seria aquele que sou hoje. Não desdenho esse capital civilizacional que me moldou e é matriz amniótica de todas as ideias que me surgem. E por isso não posso, nem devo, ser indiferente ao pontificado de Francisco.
Francisco, talqualmente o seu congénere de Assis, tem desempenhado um papel fulcral na devolução do catolicismo à verdade evangélica. Com ele reforçou-se a visibilidade do trabalho solidário e humanista, que é a essência do cristianismo. E num mundo ligado à tomada, em permanente euforia pela civilização do espetáculo, oferece um exemplo radical de despreendimento material e egótico, de serviço e de dádiva que se tornou, em muito pouco tempo, na melhor referência dos espíritos tresmalhados.
Não só alcançou o respeito e admiração de outros como eu, como nos alegra pela verdade que carnaliza, pela luz que irradia. Não se fala, nem se pensa em mais do que um homem bom.
Consigo transporta uma ideia de igreja de pessoas, não de instituição temporal. Poderão dizer que com ele não vem uma ideia nova, que tudo o que diz cheira à medievalidade franciscana e a comunidade do cristianismo primitivo. Talvez que até seja verdade, mas também não é menos verdade que essas ideias antigas nunca foram tão necessárias e urgentes como agora”.