Francisco critica “desordem ética” e “mundo virtual” que gera “vidas frustradas” e desafia a convidar pessoas pobres para almoçar ao domingo

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O Papa Francisco alertou hoje para a “retórica” ou a “estatística” que conduz as pessoas quando falam sobre os pobres, lamentou a “desordem ética no mundo do trabalho” e as novas formas de pobreza causadas pela guerra e pelo “mundo virtual”.

“É fácil cair na retórica, quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles”, escreveu Francisco na mensagem publicada hoje pela sala de imprensa para o dia mundial dos pobres.

O Papa critica o momento histórico “não favorece a atenção aos pobres”, “o apelo sonoro ao bem-estar” que silencia “as vozes de quem vive na pobreza”.

“Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em curso. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar. A realidade virtual sobrepõe-se à vida real, e acontece cada vez mais facilmente confundirem-se os dois mundos”, reflete.

O mundo juvenil, “onde uma forma de mal-estar aparece a cada dia mais evidente” gera “vidas frustradas e até suicídios de jovens”, lamenta o Papa, que pede atenção contra as “instigações nocivas” que o mundo virtual está a provocar entre os jovens.

Francisco critica o facto de as pessoas mais pobres se tornarem “imagens” cuja “pressa diária, impede de parar, socorrer e cuidar do outro”.

“A parábola do bom samaritano não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão”, indica.

Francisco lamenta ainda as novas formas de pobreza causadas pela guerra – “penso de modo particular nas populações que vivem em cenários de guerra, especialmente nas crianças privadas dum presente sereno e dum futuro digno”, também a especulação que conduz “famílias à indigência”, mas também a “desordem ética” no mundo do trabalho que provoca a “precariedade” e o “lucro imediato”.

“Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa. Se, numa família, se tem de escolher entre o alimento para se nutrir e os remédios para se curar, então deve fazer-se ouvir a voz de quem clama pelo direito a ambos os bens, em nome da dignidade da pessoa humana”, escreve.

O Papa deixa uma palavra de apreço a “homens e mulheres” que se dedicam “aos pobres e excluídos”: “pessoas de todas as idades e condições sociais que praticam a hospitalidade e se empenham junto daqueles que se encontram em situações de marginalização e sofrimento”.

“Não são super-homens, mas «vizinhos de casa» que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa. O Reino de Deus torna-se presente e visível neste serviço generoso e gratuito”, escreve.

Na mensagem tornada pública no dia da celebração de Santo António, franciscano e doutor da Igreja, o Papa pede empenho “político e legislativo” para que as palavras de São João XXIII, na encíclica «Pacem in terris», se tornem uma realidade: «O ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente a nutrição, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí, que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade».

O Papa acredita que apesar “dos limites e lacunas da política”, a solidariedade e a subsidariedade dos cidadãos podem contribuir para um empenhado serviço aos pobres, continuando a “estimular e fazer pressão para que as instituições públicas cumpram do melhor modo possível o seu dever”, indicando que quem vive em situação de pobreza “deve ser envolvido no processo de mudança e responsabilização”.

Francisco escreve tratar-se de “justiça” aquilo que deve conduzir os passos para um “encontro recíproco” e, nesse sentido, a ajuda aos mais pobres não se pode esgotar numa “esmola apressada”.

“A partilha deve corresponder às necessidades concretas do outro, e não ao meu supérfluo de que me quero libertar. Aquilo de que seguramente têm urgente necessidade é da nossa humanidade, do nosso coração aberto ao amor”, sublinha.

A partir do livro de Tobias, “um texto pouco conhecido do Antigo Testamento, eloquente e cheio de sabedoria”, onde Francisco vai buscar o título da sétima mensagem que escreve para este dia «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar», o Papa desafia a convidar para o almoço de domingo um pobre para partilhar a refeição e o sentido da celebração da eucaristia.

“Como seria significativo se, no Dia dos Pobres, esta preocupação de Tobite fosse também a nossa! Ou seja, convidar para partilhar o almoço dominical, depois de ter partilhado a Mesa Eucarística. A Eucaristia celebrada tornar-se-ia realmente critério de comunhão. Aliás, se ao redor do altar do Senhor temos consciência de sermos todos irmãos e irmãs, quanto mais visível se tornaria esta fraternidade, compartilhando a refeição festiva com quem carece do necessário!”, convida.

O Dia Mundial dos Pobres vai ser celebrado este ano a 19 de novembro, no domingo que antecede a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, antes do final do ano litúrgico.

Francisco reconhece que este dia está a “alentar o caminho” das comunidades que “progressivamente” estão a radicar esta “ocorrência” na “pastoral da Igreja, fazendo-a descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho”.

(Com Ecclesia e Vatican News)

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