Por Tomás Dentinho
Dia 31, fim do ano, aniversário de poucos e bons, um livro de Tolentino para ler e rezar e a boa música dos anos sessenta que vai saindo da internet que vai sabendo dos meus gostos e ainda bem. Que venham animar a minha casa, trazidos pelas máquinas que descobrem os segredos que já esqueci: Joan Baez, Bob Dylan, Amália, Zeca Afonso, Madre Deus, Genesis, Pink Floyd, Chopin e Bach e todos os que não sei e não soube, mas vou aprendendo a gostar.
Este ano foi um ano bom graças a Deus. Aprendi que o meu cérebro tacanho ou sente frio ou sente o gozo com o mergulho, mas não se consegue ocupar com ambos ao mesmo tempo. E escolhendo, gozo o salto prolongado pela visão da água límpida e vou mergulhando na Silveira inverno adentro. Sofia Andresen sentia que a alma ficava mais limpa quando lavava a loiça. Vou-me lembrando do verso quando escolho sentir o gozo do mergulho em vez do frio da água limpa.
Foi um ano bom. Encantei-me com viagens e maravilhei-me com os sítios e as gentes. A ver se me lembro com o auxílio dos ficheiros do computador. Em fevereiro estive em Mogador (Essaouira) em Marrocos, por pedido do meu bom amigo Abdellatif Khattabi, em vez de falar vinte minutos, estive a transportar sábios e alunos de e para Marraquexe com três horas para lá e para cá; viagens de boa conversa para ganhar confiança e de novas paisagens para ganhar entendimento.
Em março passei por Bruxelas sempre atafulhada em meetings e cocktails; não sai de mim a perceção crescente de uma cidade de nómadas pronta a desaparecer quando a poços europeus secarem. Em maio passei por Bucareste e estive em Iasi na Roménia, tão diferentes uma da outra quanto Braga é diferente de Évora; gostei mais da Braga romena, com uma Universidade antiga que marca a cidade e com uma cultura apurada pela mescla de eslavos, romanos, austríacos e turcos.
Em junho fui ao Huambo em Angola. Com colegas brasileiros fomos de carro pelo Lobito e Benguela. Foi bom a valer. Primeiro porque os brasileiros fizeram em dois meses um modelo inter-regional input output de Angola que possibilitou um diagnóstico importante da economia angolana. Segundo porque revi amigos e projetos no Huambo. Finalmente porque fui a Menongue, junto das terras do fim do mundo, e passei pelas nascentes do Cuanza; não se dá por isso, mas são as nascentes do rio de Angola.
Em julho foi demais. Em Bangkok saboreei a sabedoria (a raiz de sabor e saber é a mesma como dizia o meu pai) dos chineses da Tailândia que, assim gosto de pensar, ocuparam os espaços urbanos possibilitados pelo comércio da expansão portuguesa. E aí está e é o casal Nij e Sutee, urbanistas, que agora lideram um volume especial da revista Regional Science Policy and Practice; não sei de que religião são, mas são gente de bem. Em Aveiro, no congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional, conheci a portuguesa crack de Cambridge, e há muitas por esse mundo fora; e em São Miguel conheci os melhores economistas Venezuelanos, tanto os que ficaram em Caracas como os que migraram para Espanha; gente boa que gostaria de ver em Caracas em 2020.
Em agosto estive com a família alargada no Algarve e depois em Lyon na França; boa terra como são todas as terceiras cidades de cada país, com cultura a transbordar do Ródano e do Saone, pelo menos dos bares em barcaças onde o meu mundo do mundo se encontrou. Setembro foi logo a seguir e trouxe-me a Arménia, a Itália e o Japão. A Arménia transladada para todo o Mundo porque não consegue ganhar o espaço que lhe é devido entre a Turquia, o Irão e a Rússia. A Itália, com algumas horas em Milão; o melhor sítio do mundo depois de ter lido os noivos de
Manzoni. E o Japão onde Nagasaki continua a ser a esperança de redenção do suprassumo insuficiente da civilização.
Em outubro estive em Zhaoqing, no vértice continental do delta do Rio das Pérolas, e em Bombaim, no vértice oceânico do baluarte indiano que combina sabedoria e miséria. Na primeira vi uma cidade fantasma, das muitas que os chineses construíram por ali. Na segunda vi o urbano sem cidade. A esperança está na gente que vive por ali e na sua capacidade de investirem respetivamente no corredor entre Macau e Calcutá passando por Zhaoqing e no corredor entre Almaty e Bombaim expandindo-se para Goa. Basta perceberem que são as rotas que fazem as cidades.
Novembro é tempo de América, mas deu tempo de ir s-Hertogenbosch, na Holanda, e a Mombasa no Quénia. Na América estive uns dias em Pittsburgh com frio e bons amigos e umas horas em Boston onde reconfirmei que a liberdade exige a revolta contra o abuso de poder. Na Holanda beneficiei das amenidades de um convento agora ocupado e mantido por universitários com dinheiro do Estado. E no Quénia alegrei-me com a fortaleza portuguesa de Mombasa numa missão para pensar no financiamento da urbanização no mundo.
Dezembro deu tempo para um salto a Bruxelas para transmitir o que aprendi na China, na Índia, na América e em África, mas não sei se entenderam; na verdade, se não entenderam os ingleses não creio que entendam o mundo. O melhor foi mesmo um cafezinho na Brasileira com a minha mãe, um jantar na casa do irmão mais velho na Pampulha e o Natal e o Ano Novo cá em casa. E o livro sobre a beleza do Tolentino para canalizar tudo isto para o Céu, esse armazém de felicidade já que na terra temos pouca visão para a captar.