Leigos e sacerdotes elogiam “simplicidade e proximidade” do novo Bispo Emérito de Angra
D. António de Sousa Braga deixa esta terça feira a diocese de Angra, à frente da qual esteve durante quase 20 anos e do seu legado a principal expressão que sobreleva, atravessando crentes e não crentes, é a de que foi “um pastor próximo”. Ao jeito do que o Papa Francisco tem defendido, alguém que “cheira às ovelhas”, e que apesar de nem sempre ter granjeado o apoio unânime de todos conseguiu ser próximo e sobretudo garantir uma liberdade ao seu clero que inevitavelmente teve reflexos no avanço pastoral da diocese.
O agora Bispo Emérito de Angra, o segundo açoriano a exercer este ministério ao longo de quase 500 anos de história desta diocese insular, completa hoje 75 anos de idade e o último ano não foi particularmente tranquilo.
Uma doença subitamente detectada levou a uma operação que lhe valeu a perda de um pulmão, há precisamente um ano, e a mais dois internamentos devido a problemas de saúde. Nem por isso deixou de estar presente nos principais momentos da vida da diocese, desde ordenações e festas religiosas, sem esquecer a reabertura do ano pastoral ou a celebração de entrada do seu Bispo Coadjutor, tão desejado e que o fez acelerar o pedido de resignação, que acontece no dia em que completa 75 anos.
“Um homem do povo”, “próximo”, “humilde”, “atento e atencioso”; a “melhor porta aberta da igreja nos Açores”, são algumas das expressões manifestadas espontaneamente ao Sítio Igreja Açores por padres e leigos no dia em que assinalou o 19º aniversário de episcopado.
Chegou à região com 55 anos, altura em que foi ordenado Bispo, depois de ter estado em Roma e em Lisboa.
O bispo açoriano é natural de Santa Maria, estudou desde os 13 anos fora da região, primeiro no Funchal, depois em Coimbra e finalmente em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 1970 pelo Beato Paulo VI. Só regressou aos Açores, para residir permanentemente no arquipélago há 20 anos, quando foi ordenado Bispo.
“Foi difícil, desde logo porque eu nem conhecia as ilhas todas. Tive de percorre-las e perceber onde estava. Tive a sorte de herdar um plano de ação pastoral mas encontrei muitas dificuldades para o implementar desde logo ao nível organizativo mas também por causa de questões financeiras”, disse D. António de Sousa Braga, numa entrevista recente ao Sítio Igreja Açores.
“Quando cheguei procurei reconhecer um terreno difícil e disperso. Foi, sem dúvida, a minha prioridade e não estou arrependido. Além de me aproximar das pessoas, conheci o terreno e conheço bem o clero diocesano e sempre me senti muito apoiado por ele”, adianta ainda.
“Naturalmente que nem sempre fazemos tudo certo e quando olhamos para trás percebemos que nem sempre avaliámos bem todas as situações”, reconhece D. António de Sousa Braga que salienta “que procurou sempre agir da melhor maneira possível”.
E é esta “humildade”, a par de uma “enorme proximidade” que é destacada.
“É um homem do povo, que se dá bem com as pessoas, independentemente da sua condição social e só isso faz com que todos passemos ao lado dos problemas da diocese” disse ao Sítio Igreja Açores, há um ano o Pe Hélder Cosme, um dos 55 sacerdotes ordenados por D. António de Sousa Braga.
“Pela sua permanente disponibilidade, humanidade e proximidade sempre foi a melhor porta aberta na igreja dos Açores”, conclui o sacerdote sublinhando que transportou para o seu episcopado o verdadeiro sentido “de pastor, de padre, de alguém que tem de estar sempre próximo das pessoas”.
É também esta a característica destacada pelo coordenador do Movimento de Romeiros de São Miguel.
“Sempre permitiu uma enorme proximidade revelando uma atenção permanente com todos os seus colaboradores, tendo sido um verdadeiro pai para os sacerdotes”, diz João Carlos Leite lembrando no entanto, que “apenas pecou, se assim se pode falar, por não ter imposto mais a sua autoridade nalgumas situações e isso acabou por lhe dificultar a vida nalguns casos porque as pessoas não souberam respeitar essa proximidade”.
“O sentido paternal do Senhor Bispo é enorme e ele não se cansa de o demonstrar junto de todos nós, nos mais simples gestos” refere o Pe João Pires, dos Altares, na ilha Terceira.
“É uma pessoa muito calorosa. Costumo dizer que o importante não é fazer coisas extraordinárias mas fazer extraordinariamente bem coisas simples que podem não ter aquele efeito e aquela visibilidade mas que são essenciais e desse ponto de vista, o D. António fá-lo como ninguém”, remata o sacerdote.
O inicio do Episcopado de D. António de Sousa Braga acabou por coincidir com uma mudança de ciclo político nos Açores, em outubro de 96. Dois anos depois, e com algumas dificuldades financeiras pelo meio, a diocese iria sofrer um duro golpe com um sismo que destruiu grande parte dos templos das ilhas do Faial e do Pico, obrigando à sua reconstrução.
A “capacidade de diálogo” que lhe é reconhecida por muitos dos seus padres valeu-lhe a abertura de portas para resolver alguns problemas, embora muitas vezes incompreendido.
“Sempre me chamaram o bispo socialista, não sei porquê” lamenta D. António que não esconde o desconforto que o rótulo lhe traz.
“Sempre esteve do nosso lado e sempre sentimos isso”, disse, por outro lado, o Pe José Escobar, da paróquia do Salão, na ilha do Faial, uma das afetadas pelo sismo de 98.
“É um homem devidamente enquadrado na nossa diocese e o seu bom conselho ajudou-nos a resolver alguns assuntos”, salienta o sacerdote.
“É um homem muito próximo, sem distâncias impostas pela autoridade e muito envolvido no dia a dia”, refere por sua vez o Pároco da Serreta, Cónego Manuel Carlos.
“Além de pastor, de pai, de profeta tem sido um guia, o que não é fácil numa diocese tão dispersa quanto esta” refere o Pe Jorge Mendonça, pároco em Santa Luzia, Angra do Heroísmo, destacando “ a excecional simplicidade” e a tendência para uma pastoral social “muito assertiva”, o que “está naturalmente condicionado pela sua formação em sociologia”.
Uma proximidade às pessoas “e às instituições” acrescenta Anabela Borba, diretora da Cáritas diocesana.
“Destacaria do D. António o facto de ser um homem que promove uma relação muito informal, simples e sadia, sempre com um grande empenho na resolução de problemas sociais”, refere a dirigente que sublinha a capacidade “de ouvir todos com uma grande abertura e informalidade”.
“Ele sempre se preocupou com o facto da igreja ser uma resposta presente e ativa em todas as ilhas e embora isso ainda não seja uma realidade plenamente conseguida não pode deixar de ser salientado esse seu esforço e atenção permanente”, diz.
“Lembro-me quando fui ordenado de me perguntar a minha opinião sobre as paróquias que poderia servir e isso não me parece que seja frequente”, disse o Pe Ruben Pacheco, o 52º sacerdote a ser ordenado na diocese e um dos mais novos em termos de idade, atualmente a paroquiar em São Jorge.
“Sem dúvida que tornou o episcopado mais próximo das pessoas; as vezes até demais porque se calhar com a sua humanidade acabou por facilitar alguns abusos”, diz por outro lado o pároco das Lajes do Pico, Pe João Bettencourt das Neves que foi Secretário de D. Aurélio Granada Escudeiro.
“Tem feito um trabalho muito inspirado pelo Espirito Santo”, refere por sua vez a responsável diocesana pelo Movimento dos Cursilhos de Cristandade.
“É uma pessoa do povo que gosta de estar no meio de nós e tem feito destas ilhas um espaço de amor e isso faz-nos bem, sobretudo num tempo de grandes dificuldades , ele tem aberto a Igreja” refere Benvinda Borges.
Recentemente, na entrevista ao Sítio Igreja Açores, admitia que “Nós somos ordenados sacerdotes não aprendemos nem temos nenhum curso para sermos bispos; vamos aprendendo com a função e foi isso que eu fiz, debaixo de uma enorme exigência, sobretudo financeira”.
Questionado sobre se haveria alguma decisão que tivesse tomado e da qual se tivesse arrependido, o Bispo de Angra admitiu que à posteriori “tudo é passível de correção e obviamente que nem tudo foi bem feito”.
Entre notas pastorais e mensagens, há uma ideia que passa sempre em todas elas e especialmente dirigida ao seu clero: o ministério sacerdotal deve ser encarado como um “instrumento de misericórdia divina” e uma forma de levar ao mundo a “proximidade” de Deus. E, por isso, “não basta fazer coisas pelas pessoas”; “há que ir ao seu encontro, pôr-se no seu lugar; fazer como Jesus que revelou o Pai misericordioso através das suas palavras e dos seus gestos”.
Convidou todos os padres a assumirem “dinamismo missionário”, de “chegar a todos sem exceção”, com atenção especial aos que estão mais à margem da sociedade, privilegiando a “preparação” do seu trabalho pastoral, em vez das tarefas administrativas. Pediu-lhes, ainda, que fossem “ousados e criativos” no cumprimento da sua missão, sem contudo caírem em “exibicionismos”, nem na tentação “de serem funcionários do sagrado”.
Na posse do Cabido Catedralício da Sé de Angra, cujos estatutos renovou, após 15 anos de inatividade deste orgão, D. António de Sousa Braga pediu aos nomeados para “servirem a igreja” num clima “de unidade” para “construírem comum-unidade” entre as ilhas, apontando a igreja como a primeira instituição autonómica dos Açores, uma “identidade que deve ser preservada”.
“Num território descontínuo, como a nossa diocese, urge desenvolver a Unidade Pastoral Ilha, sempre com o apoio da Igreja-Mãe, que é a Sé Catedral, não para centralizar, mas promover a unidade na diversidade”, disse na altura.
Foi porventura um dos momentos mais difíceis do seu episcopado, pelo menos um dos que lhe valeu mais criticas entre pares.
Sobre os Açores, e em particular a situação da região no contexto da crise mundial e europeia, D. António de Sousa Braga não se cansou de afirmar, ao longo do seu episcopado, que “estamos longe dos patamares europeus de desenvolvimento e temos algum nível de pobreza, que se complica um pouco com a austeridade”.
Muitos idosos “recebem reformas baixas”, o que os obriga a optar entre “diminuírem nos remédios ou na alimentação”; mostrou-se apreensivo em relação aos “grupos de crianças e jovens e risco oriundos de famílias desestruturadas”, que passam por carências do “ponto de vista material e educativo” e requerem “grande apoio da Igreja e do Governo”, para concluir que “Vivemos numa região ultraperiférica que luta pelo seu desenvolvimento sustentável” e as “as comunidades cristãs devem ser as primeiras a dar resposta às carências sociais e a mobilizarem as pessoas para a solidariedade”.
Para o futuro deixa uma mensagem de otimismo: o importante, diz o responsável pela Igreja Católica nos Açores é que “não nos desencorajemos de prosseguir este trabalho que desde o inicio sabíamos que era difícil e possivelmente doloroso, em certa medida, até para a própria igreja diocesana”.
A “isto se chama passar de uma igreja clerical para uma igreja ministerial, com mais leigos e, sobretudo, com mais leigos bem formados”.
Este ano viu cumprido um dos seus desejos: receber a imagem da Virgem Peregrina na sua ilha natal: “Nossa Senhora é a verdadeira porta da misericórdia e é ela que com o seu filho nos conduzem a Deus”.
A visita da Virgem Peregrina havia de o conduzir a uma das homilias mais felizes da reta final do seu episcopado: “a igreja para ser esposa e mãe tem de aprender com as mulheres” e tem “de inventar um novo ministério que lhes dê o protagonismo a que elas têm direito não para substituírem os homens ou serem ordenadas” mas para “ensinar a igreja a ser aquilo que deve ser: a verdadeira esposa de Cristo”.
Foi a última grande celebração a que presidiu na diocese como Bispo titular.
(Este trabalho foi desenvolvido com base numa reportagem feita e publicada pelo Sítio Igreja Açores em junho de 2015)