O “império do amor e da partilha” é vivido com particular destaque nas ilhas do grupo central.
As festas em honra da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, um dos maiores traços da identidade açoriana, realizam-se este fim de semana, um pouco por todo o arquipélago, altura em que o calendário litúrgico assinala o Pentecostes, que juntamente com o Natal e com a Páscoa, é uma das datas mais significativas do ano.
“Saibamos passar da festa à vivência quotidiana iluminados pelas luzes do Espírito Santo”, disse ao Portal da Diocese o Ouvidor do Pico, Pe Marco Marco Martinho.
Juntamente com o Faial, São Jorge e Terceira, o Pico é uma das ilhas do Grupo Central onde as Festas do Divino Espírito Santo são vividas de uma forma mais intensa.
Nos próximos quatro dias, entre sábado e terça feira, 45 irmandades da ilha montanha vão realizar as suas coroações, procissões e convívios, tendo sempre como mote a partilha.
Nestas 45 festas são oferecidas mais de 21 mil refeições o que equivale a mais de 10 toneladas de carne cozinhada nestes dias, acompanhada pelas tradicionais sopas, carne cozida e assada, massa sovada e arroz doce.
Em cada arraial são distribuídas as rosquilhas, vésperas ou pão a todos aqueles passam pela freguesia.
Nestes dias são distribuídos por toda a ilha mais de 40 mil “reliques” do Senhor Espirito Santo, termo como os mais antigos ainda chamam às rosquilhas, vésperas ou pães que são distribuídos nos impérios da ilha.
O maior império da ilha (e provavelmente dos Açores) é o da Terça-feira do Espirito Santo na Vila da Madalena, em que são distribuídas cerca de 7 mil rosquilhas, muitas delas partilhadas com forasteiros que acorrem à ilha montanha provenientes do Faial e de São Jorge.
Além destas 45 irmandades, que realizam as suas festas nestes dias, há outras seis que promovem a sua festividade noutras alturas do ano, com coroações, sopas e distribuição de rosquilhas.
“Estas são as festas do povo que se exprimem na alegria do convívio, na interajuda comunitária, na vivência da irmandade e na abundância dos bens materiais que, partilhados, chegam para todos” sublinha Marco Martinho destacando, ainda, a questão da “igualdade em que não há distinção de classes nem de pessoas, pois todos são irmãos e aquele que se torna imperador é-o para servir os demais”.
É, nestas festas, “que encontramos o verdadeiro sentido do cristianismo”, lembra o sacerdote.
As festividades, que no continente perderam importância mas nos Açores “constituem um marco identitário do povo açoriano”, remontam ao tempo do povoamento e no século XVI já era generalizada a existência de Irmandades.
“O Espírito de partilha é a essência deste culto”, lembra Manuel Serpa, irmão da Irmandade de São Mateus, a mais antiga da ilha do Pico que data do início do século XVIII.
A Irmandade tem dois impérios – o de Pentecostes e o da Trindade- e a festa é grande.
“Hoje já não há tanta pobreza e por isso o espírito que nos anima é o da fraternidade”, sublinha Manuel Serpa destacando os “dons que são derramados sobre todos os amigos”.
Há uma semana que a Coroa do Império de Pentecostes foi para a casa do Mordomo (eleito na última festa), onde se juntam os irmãos e os amigos para cantarem o terço. No domingo haverá a coroação seguindo-se mais tarde o cortejo e as sopas distribuídas por todos.
“O Senhor Espírito Santo nunca falta”, diz o picoense Manuel Serpa lembrando um ditado repetido abundantemente nestas paragens.
“As festas do Divino Espírito Santo têm três componentes muito fortes: a oração e celebração com a coroação do imperador; a comunitária, com os jantares, convívios e arraial e a social, com a distribuição de esmolas, de pão, vinho e carne aos irmãos e a todos os necessitados” frisa o Vigário geral da Diocese, Pe Hélder Fonseca Mendes.
“O rito da coroação diz que o Império do Espírito Santo é dos que são como as crianças, como os pobres, como os presos, etc. Se uma pessoa destas governa o dito império, a lógica do governo é outra do que a que os impérios deste mundo promove”, lembra o sacerdote sublinhando que “o culto tem uma forte carga profética e política, sem qualquer pretensão de imitação de papéis ou destituição de poderes”.
“O que é marcadamente açoriano é a forma do Império, e esta é uma iniciativa tipicamente popular, onde o mesmo Espírito também se manifesta”, diz Hélder Fonseca Mendes.
O Vigário Geral deixa mesmo um apelo.
“O desafio é, por um lado, não esvaziar o Império da verdade do Espírito Santo como `pai dos pobres´ e, por outro, fazer que o Espirito Santo `impere´ na sociedade e na Igreja. É esse o sonho dos pais fundadores do Império e dos nossos persistentes e resistentes antepassados”, conclui.