Padroeiros saem à rua e atraem milhares de emigrantes e forasteiros
O verão açoriano é dominado pelo “império da festa” não existindo paróquia ou lugar que não tenha, no período entre junho e setembro, uma celebração, na qual religião e cultura popular andam de mãos dadas.
Mesmo nas zonas mais urbanas há sempre a denominada festa da igreja.
A par das celebrações do Divino Espírito Santo, que nos Açores têm como ponto alto os fins de semana de Pentecostes e da Trindade, sobretudo nas ilhas do triângulo, começam agora as festas em honra dos padroeiros, que constituem uma oportunidade para que uma determinada comunidade cristã se expresse como comunidade religiosa e cultural.
Razão mais do que suficiente para que o Conselho Presbiteral se tenha voltado a pronunciar, pelo terceiro ano consecutivo, sobre a necessidade de acompanhamento da Religiosidade Popular, “reconhecendo e descobrindo os seus valores evangélicos e envolvência emocional e social, que necessita de mais formação, inclusive celebrativa, e de articulação com a planificação diocesana”, como destacava o comunicado.
“Há que reconhecer e estudar os elementos que podem ser colocados ao serviço da evangelização, mas também ter uma atenção especial às influências nefastas que tentam apropriar-se daquilo que é específico da dimensão religiosa”, frisava ainda o comunicado indo de encontro áquilo que são as cautelas sublinhadas por muitos dos responsáveis a nível nacional, como por exemplo, D. José Cordeiro que numa nota pastoral lembrou que o dia da festa do padroeiro “não pode ser um dia de evasão” e deve ser integrado no “dinamismo da evangelização”.
D.José Cordeiro realçou que em determinados locais, e os Açores não são exceção, as festas “transformam-se em simples entretenimento” e com “outros interesses comerciais e lúdicos e não tanto a vivência cristã”.
“Não nos podemos servir dos santos ou dos padroeiros para outros fins”, pois a piedade popular é “um enorme tesouro na vida da Igreja”, mas são “necessários novos enquadramentos e orientações”, dizia D. José Cordeiro.
Mais de 50 anos depois da «Sacrosanctum Concilium» (Documento conciliar sobre a Liturgia), estas normas ainda não entraram na dinâmica eclesial porque falta “o sentido autêntico” da festa cristã.
É preciso uma “formação permanente dos leigos” e, de um modo especial, “das pessoas que estão nas comissões e nas mordomias”, acrescentou. Para D. José Cordeiro, as festas “não podem ser uma coisa desligada do Ano Litúrgico” e o seu programa “deve ser harmonioso”.
Em relação às despesas e receitas destes momentos festivos, a “transparência deve ser absoluta” e aquilo que “é dado com sentido da esmola” tem a finalidade que a Igreja dá aos bens materiais e “servir para a evangelização”.
Por isso, este ano nos Açores o tema dominante das festas é a Misericórdia e, nalguns locais, o apelo é mesmo a sermos “Misericordiosos como o Pai”, à semelhança do que são as orientações diocesanas para este ano pastoral.
Só na Ouvidoria de Ponta Delgada, por exemplo, há neste período 18 festas paroquiais que começaram na cidade com a celebração do Corpo de Deus que reuniu, sobretudo, as cinco paróquias da cidade (São Pedro, Matriz, São José; Santa Clara e Nossa Senhora de Fátima) e prossegue agora com as festas nas diferentes comunidades paroquiais de onde se destacam as festas de Jesus Maria José, Nossa Senhora das Neves, São Nicolau, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Anjos, Nossa Senhora da Oliveira e Nossa Senhora da Ajuda. Sem esquecer as Festas do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, organizadas pela autarquia em colaboração com as juntas de freguesia e as mordomias do concelho, que decorrerão entre 7 e 10 de julho.
Em São Miguel as festas em honra de Nossa Senhora dos Anjos, em Água de Pau, na ouvidoria da Lagoa e as do Senhor Bom Jesus da Pedra, na de Vila Franca do Campo são, porventura as mais concorridas. Mas há festa também na Povoação e no Nordeste.
As festas em honra de Nossa Senhora dos Anjos celebram-se na freguesia de Água de Pau, ouvidoria da Lagoa, a 15 de Agosto.
É uma das maiores festas da ilha de São Miguel. Milhares de forasteiros concentram-se junto ao ‘Santuário’ da Senhora dos Anjos, sobretudo emigrantes que regressam nesta altura do ano. Neste dia celebra-se também em Santa Maria as festas principais da ouvidoria, em Vila do Porto. Aliás, a ilha é a única ilha açoriana consagrada a Nossa Senhora.
Também muito movimentada é a festa do Senhor da Pedra, em Vila Franca do Campo, que tem o seu culto na igreja da Misericórdia.
No último fim de semana do mês de Agosto de cada ano, celebra-se com grande solenidade esta festa do Senhor, que atrai milhares de fiéis.
As fontes documentais sobre esta festa são escassas ainda assim o Pe Padre Ernesto Ferreira sublinhou que “em tempos remotos, apareceu em uma das praias da antiga capital da ilha, um caixote, em cujas taboas estavam escritas estas palavras: «para a Misericórdia de Vila-Franca do Campo». Abriram-no e viram com surpresa que encerrava uma primorosa imagem. Como ninguém a encomendara e como a sua proveniência era um mistério, assumiu este acontecimento as proporções de um milagre, que desde logo despertou a devoção popular. O local onde foi achada a imagem se deu a designação, entre os vilafranquenses, de Campo Santo ou Corpo Santo”.
A Festa do Senhor Bom Jesus da Pedra é um dos mais belos exemplos da religiosidade popular açoriana e, para além de uma grande manifestação de fé, é também uma “tradição” que arrasta milhares de devotos à antiga capital da ilha.
No Pico, as festas de verão começam com o Espirito Santo e prosseguem com a celebração dos padroeiros. Primeiro Santa Maria Madalena, ainda durante o mês de julho (de 13 a 22). Depois, vêm as festas do Senhor Bom Jesus, em São Mateus, a 6 de agosto, uma devoção que já conta com cerca de 140 anos. Ainda no Pico, a Festa dos Baleeiros nas Lajes, em homenagem à Senhora de Lourdes é outro dos pontos altos do verão na ilha montanha, na última semana do mês de agosto.
Também no primeiro fim de semana de setembro a festa “desce” até à Caldeira do Santo Cristo, em São Jorge, para celebrar o Santo Cristo da Caldeira, através de uma veneranda imagem que se encontra no Santuário diocesano com o mesmo nome.
Trata-se de um dos três santuários cristológicos da Diocese de Angra e está situado numa zona considerada Reserva Natural desde 1984.
A lenda que deu origem ao culto conta que um pastor deixou o seu gado a pastar, descendo a uma lagoa onde apanhou lapas e ameijoas. Ao parar para descansar contemplou um objeto na água a flutuar e viu que era uma imagem em madeira do Senhor Santo Cristo. Surpreendido com o achado, pegou na imagem, molhada e inchada de estar na água, e levou-a para terra seca. Ao fim do dia, quando voltou para casa fora da fajã, levou a imagem e colocou-a em local de destaque numa das melhores salas da sua casa. No outro dia de manhã a imagem tinha desaparecido. Depois de procurarem por toda a casa e de já terem dado as buscas por terminadas, ele foi de novo encontrado, dias depois, na mesma fajã e local onde tinha sido encontrado da primeira vez. Foi levado várias vezes para o povoado fora da rocha, e durante a noite a imagem voltava sempre a desaparecer, até que alguém disse: “O Santo Cristo quer estar lá em baixo na fajã à beira da caldeira, pois que assim seja”.
No fim de semana seguinte são as festas em honra de Nossa Senhora dos Milagres, na Serreta, já com longa tradição, embora só a 6 de Maio de 2006, por decisão do bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, a igreja paroquial tenha recebido o estatuto canónico de Santuário Diocesano.
Essa elevação oficializa o reconhecimento da fé e da devoção do culto a Nossa Senhora dos Milagres da Serreta que, a cada mês de Setembro, atrai àquele templo cerca de uma dezena de milhar de fiéis provenientes de toda a ilha, de outras ilhas do arquipélago, e das comunidades açorianas emigradas nos Estados Unidos da América e no Canadá.
Muitos dos peregrinos são pessoas que, por circunstâncias muito díspares, já não têm uma prática religiosa institucionalizada, o que faz sobressair o papel que o Santuário da Serreta presta à Igreja Católica Romana, nomeadamente em termos de evangelização e disponibilização de sacramentos aos peregrinos.
Não será exagerado sublinhar que nos Açores as 165 paróquias existentes vivem uma festa de verão.