Pelo padre Hélder Miranda Alexandre
“Perdoa-lhes, que nós não” (DN, 5/12/2021), um artigo da psicóloga clínica Joana Amaral Dias, procura arrasar falaciosamente o esforço da Igreja, através das comissões nacional e diocesanas para a prevenção de abusos sexuais e proteção de menores. A sua opinião apoia-se em teses falaciosas, que, infelizmente, são cegamente seguidas. “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” (Joseph Goebbels).
A sua opinião parte de uma comparação entre a Igreja e outras realidades, como a máfia russa ou os cartéis mexicanos. Sinceramente, não vejo na Igreja os mesmos modos e métodos desse submundo do crime organizado. Enfim, cada um é livre de expressar o que pensa, mas sejamos minimamente honestos… A Igreja não é um clube de mafiosos, embora tenha muitos limites, escândalos e pecadores. Possui, na sua história milenar, uma ingente multidão de pessoas de bem, exemplos de autêntica e genuína humanidade, independentemente da consideração da sua fé. Uma simples pesquisa na net prova a existência de milhares de instituições de assistência sanitária e beneficência, pertencentes à Igreja Católica, espalhadas por todo o mundo… enfim, só quem não quer ver.
Parte igualmente do pressuposto de que estas comissões são centros de investigação criminal para os referidos casos, com o intuito de se subtraírem ao Estado. Falso! Não têm competências judiciais, e apenas procuram acompanhar as possíveis vítimas e recolher informações, endereçando-as para as autoridades competentes. Como afirmam as normas, “cada Bispo dote a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis de pessoas verdadeiramente especialistas nas várias áreas que envolvem a prevenção, formação, acompanhamento e escuta, tanto dos menores e adultos vulneráveis como dos seus responsáveis…. A Conferência Episcopal procure manter-se informada das atividades de cada Comissão e, na medida das suas possibilidades, unir esforços entre elas, de modo que o trabalho de cada Comissão Diocesana possa ser realizado em conjunto com outras entidades eclesiais e civis. Entre as possíveis iniciativas promovidas pela Conferência Episcopal, podem incluir-se encontros de formação e de partilha de experiências, a possível elaboração de manuais de boas práticas a serem implementados pelas entidades eclesiais onde ainda não existam e outras iniciativas semelhantes”.
Olvida crassamente um duplo ordenamento de fundo. A par do direito civil, existe um direito canónico, com regras próprias de direito penal, e aplicado em todo o mundo católico. Não substitui a esfera judicial civil. Aliás as normas canónicas “aplicam-se sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais, particularmente as relativas a eventuais obrigações de denúncia às autoridades civis competentes”. Procede paralelamente, e, nestes casos, as penalizações têm sofrido sucessivos agravamentos com o intuito de se erradicar este mal na Igreja. Por outras palavras, um abusador de menores é sujeito a dupla penalização, civil e canónica, desde que se prove a sua responsabilidade. A colaboração na investigação pode ser frutuosa, mas a Igreja não se intromete na esfera própria das autoridades civis. Por outro lado, o ordenamento canónico abrange todos os casos de vítimas com menos de 18 anos e a prescrição já quase não é considerada, uma normativa mais dura do que a civil.
Esta, como outras opiniões, afeta igualmente o princípio de inocência do réu. Infelizmente, as piadas de mau gosto colocam todos no mesmo saco. Quem é inocente, sem qualquer responsabilidade, sofre pesadas ofensas. Esta é a cruz que temos de suportar.
Os milhares de casos descobertos em todo o mundo ferem-nos profundamente, como têm repetido os pontífices. Se fosse só um caso já seria muito mau. Não é essa a Igreja de Cristo. Contudo, esse mal não pode descredibilizar toda a comunidade cristã, como se tem procurado fazer em alguns sectores. Em todo este processo tem havido muito esforço para que se erradique o mal e se faça justiça às vítimas. Nunca será um trabalho simples,
nem breve. Contudo, não somos ingénuos, o mal da pedofilia é muito maior em outros sectores da sociedade. Tomara que outras instituições fizessem o mesmo esforço. No entanto, concordo que é mais grave para uma comunidade que deveria ser exemplar. O mal do pecado é inerente ao ser humano e a batalha não tem fim.