Algumas das habitações tradicionais estão a ser recuperadas mas mantendo a sua essência
Quando o bispo de Angra chegou esta segunda-feira ao fim da tarde à Casa do Espírito Santo da Ponta Ruiva, um lugar que para muitos seria considerado distante, longe de tudo, encontrou na assembleia que se preparava para o acolher mais estrangeiros que locais. A Casa do Espírito Santo parecia que, de repente, se tinha transformado numa espécie de nova babel. Todos se esforçavam por dizer uma palavra em português mas, facilmente se percebia que as línguas predominantes eram outras, embora aparentemente unidas debaixo do mesmo amor.
Caroline e Gérôme, com tem três filhas pequenas, não passavam despercebidos. Ao lado mais dois casais. A parecença fisionómica anunciava a familiaridade, antecipando a condição de avós. Vieram da Bélgica e de França para verificar no terreno as razões que levaram os filhos- o casal- a trocar a vida no coração da Europa pela ponta mais ocidental do velho continente. Nem sequer era a distância quilométrica mas a opção de fundo por um lugar relativamente recôndito, isolado, como explicava uma das avós.
Caroline e Gérôme fazem parte dos 8% de estrangeiros que escolheram as Flores como a sua nova casa. Têm três filhas; vieram de férias e decidiram fixar-se na ilha. Estão a restaurar uma habitação em Ponta Delgada, uma das freguesias mais afastadas do concelho de Santa Cruz, o maior da ilha das Flores. Outrora uma das suas maiores freguesias, apesar da distância do centro da vila, com uma estrada de acesso recheada de curvas e contra curvas, ventos e nevoeiros, hoje restam menos de 280 almas que ali vivem, sem escola e sem jovens. Ainda assim, o casal de origem Belga, de uma vila perto de Bruxelas, achou que este era o lugar onde queriam educar as filhas, que por agora têm ensino doméstico para facilitar a mobilidade. Como a casa ainda está em obras, o vai-vem entre a Bélgica, a França e as Flores é constante e para que as crianças não tenham problemas de aprendizagem, já que estão na idade da escolaridade obrigatória, optaram pelo ensino doméstico.
“Para nós que trabalhamos à distância é mais fácil organizarmo-nos em família garantindo tempo para o ensino das nossas filhas, cuidar das obras de renovação da nossa casa e ter tempo para a família”, refere Caroline que rejeita qualquer justificação assente no principio de uma escolha de vida alternativa.
“Não somos alternativos; vivemos em família e achamos que aqui tínhamos o que necessitávamos para sermos felizes: fomos bem acolhidos, as pessoas são muito simpáticas, a natureza, que as nossas filhas adoram é muito diversificada, e nada disto tínhamos infelizmente onde vivíamos”, afirma.
“Nós fomos muito bem acolhidos e gostámos. Sentimo-nos bem, em segurança e com tranquilidade podemos desfrutar da família, viver em paz. É algo que, infelizmente, já não conseguimos encontrar em França nem na Bélgica. Gostamos deste sentido de vizinhança e de proximidade e é isso que procuramos”, insiste Caroline.
Questionada sobre a escolha de um lugar onde há poucas crianças, a jovem mãe responde de imediato: “as minhas filhas já conhecem algumas e queremos que elas conheçam mais para poderem socializar”.
São os migrantes que na ilha das Flores começam a contrabalançar os fenómenos de desertificação e envelhecimento da população, acrescentando algum dinamismo à vida local.
Atualmente residem 207 estrangeiros na ilha que conta com 3249 habitantes, segundo o último censos, de 2021.
A proveniência é diversificada e abrange os cinco continentes. No total estima-se que sejam 27 nacionalidades diferentes, com particular destaque para os que vêm da Alemanha, França, Bélgica, Estados Unidos da América e Brasil. Os mais jovens destas famílias imigrantes- Israel, Finlândia, Alemanha, França, Ucrânia, China e Brasil- frequentam as aulas de EMRC , embora nem todos professem a religião católica. Há entre os alunos jovens ortodoxos, protestantes e judeus.
Muitos fixaram-se nas Flores por causa de trabalho; outros optaram por viver na ilha , numa etapa final da sua vida.