Teólogo Moralista reflete sobre o novo documento do Dicastério da Doutrina da Fé sobre as bênçãos espontâneas para pessoas em situação irregular dentro da Igreja
O Salão da Igreja Matriz de Vila Franca do Campo, em São Miguel, encheu por completo esta quinta-feira à noite para ouvir a reflexão do teólogo moralista padre José Júlio Rocha sobre o novo documento Fiducia Supplicans, que alarga a possibilidade de abençoar pessoas em situação canonicamente irregular dentro da Igreja. Na ocasião, o sacerdote afirmou que apesar de algum “hibridismo” do documento há um claro “alargamento “ do conceito de bênção e isso revela uma “atitude diferente” da Igreja.
A partir da destrinça entre aquilo que é “uma bênção litúrgica” e uma “bênção espontânea”, sobre a qual o documento fala, o sacerdote sublinhou que o que é importante reter “é o esforço que a Igreja está a fazer através deste documento em acolher as pessoas que se aproximam para pedir uma bênção, porque a Igreja está a evitar condenar e excluir e esse é o caminho exato que devemos seguir”.
“Abrir as portas: todos, todos, todos. A Igreja não quer ser igualitarista; não vale a pena tentarmos equiparar tudo o que não pode ser comparado mas também não podemos excluir ninguém” disse o sacerdote explicitando que a Igreja “não coloca em pé de igualdade aquilo que é um sacramento e uma bênção espontânea”.
Aos cerca de 150 fiéis que participaram no encontro, entre eles o rancho de Romeiros de Água d´Alto, prestes a sair em romaria, bem como dirigentes de outros movimentos de apostolado, e depois de enquadrar este documento no contexto da resposta dada a um conjunto de cardeais, o Vigário Episcopal para o Clero e Formação deixou uma interpelação: “Durante a guerra colonial abençoávamos carros de combate, metralhadoras e outros equipamentos bélicos. Ninguém questionava. Hoje abençoamos coisas e animais e ninguém questiona. Porque razão abençoar as pessoas ou as condições que permitem a paz e o bem estar entre elas é susceptível de dúvida?”.
“O meu sonho é que a Igreja possa aceitar pela via da caridade todos os que são diferentes. Jesus nunca excluiu ninguém, nem nas situações em que a lei da época não o permitia” disse ainda, prosseguindo: “quando a verdade e o bem não coincidem deve prevalecer o bem pois nunca se ofende Jesus”, concluiu.
O sacerdote reconheceu, por seu lado, a “prudência e cautela” da terminologia mas refere que o que este documento salvaguarda é a confusão: “A Igreja deixa claro que distingue entre aquilo que é um sacramento e uma situação que deve ser acolhida através de uma bênção informal e espontânea”, o que “é um salto grande na inclusão, na sinodalidade e no respeito pelas pessoas que vivem uma situação sexual diferente daquela que é aceite pela Igreja”.
“Não posso abençoar a relação em si mas o bem e a paz que esta relação pode trazer às pessoas, isto é, abençoar as pessoas e o que elas representam. Não terei problemas nenhuns em abençoar estas relações” conclui.
O Vaticano disse em dezembro, numa decisão histórica aprovada pelo Papa Francisco, que os padres católicos romanos podem administrar bênçãos a casais do mesmo sexo ou casais em situação irregular, desde que não façam parte de rituais ou liturgias regulares da Igreja.
Esta bênção não “será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união, nem mesmo em relação a eles”, refere no documento o Dicastério para a Doutrina da Fé, órgão da Santa Sé, aprovado pelo Papa Francisco.
“É possível benzer os casais em situação irregular e os casais do mesmo sexo, sob uma forma que não deve ser fixada ritualmente pelas autoridades eclesiásticas, para não criar confusão com a bênção própria do sacramento do casamento”, explica-se no documento publicado em várias línguas pelo Vaticano.