José Borges de Carvalho foi o segundo orador da Escola da Ouvidoria da Praia da Vitória, que este ano propõe uma reflexão a partir da Ecologia
Terminam esta quarta-feira os III Encontros de Reflexão sobre a Espiritualidade Ecológica promovidos pela ouvidoria da Praia e que tiveram inicio segunda-feira, nas Fontinhas, na ilha Terceira.
Numa reflexão sobre a `espiritualidade laical´ a partir dos vários documentos do magistério, produzidos em diferentes pontificados de Leão XIII e Francisco, passando por Pio XII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, José Borges de Carvalho, jurista e ex-deputado regional, apelou à responsabilidade e ao compromisso dos cristãos na promoção de um mundo melhor. A partir da história da criação, relatada no livro do Génesis, o advogado lembrou que o homem é uma criatura criada por Deus, que deve saber respeitar e viver com o resto da criação, numa verdadeira aliança entre a humanidade e o ambiente.
Citando abundantemente a Encíclica Laudato Si, o documento verde do atual pontificado, salientou que o homem deve aprender a comportar-se como administrador de bens e não como dono.
“Parece que ainda não percebemos que, no fundo, nada nos pertence, mas sim a Deus e que, apenas, está ao nosso alcance utilizar, na medida das nossas necessidades e da nossa família”, afirmou lamentando que ao longo da história o homem nem sempre se soube comportar.
“Em vez do homem ser o gestor da natureza, tornou-se seu destruidor, poluidor. A natureza está em agonia e aguarda o dia da redenção do seu cativeiro” afirmou Borges de Carvalho.
O advogado terceirense lamentou o egoísmo do homem, apesar dos avisos sucessivos dos vário pontificados, desde Leão XIII a Francisco, denunciando o que considera ser os efeitos do “individualismo” “o predomínio económico sobre a liberdade do mercado”; “a avidez do lucro” que fizeram com que a economia se tornasse “horrendamente dura, cruel e atroz”.
“Acrescem os danos gravíssimos originados pela malfadada confusão dos empregos e atribuições da autoridade e da economia pública”, afirmou, ainda, denunciando “o Nacionalismo ou Imperialismo económico” e o “Internacionalismo ou Imperialismo internacional bancário”, numa recuperação da expressão do Papa Francisco de que “esta economia mata”.
“ Os nossos tempos são materialistas, consumistas, egoístas e individualistas, que proporcionam a desagregação e conflito entre pessoas e nas famílias. Temos uma cultura do descartável, que gera um «imenso depósito de lixo. Desaparecem florestas tropicais, e os oceanos tornam-se ácidos. Tufões desencadeados por uma terra em aquecimento arrastam aldeias para o mar. Chuvas torrenciais que devastam cidades e aldeias, provocando algumas mortes e deixando desalojadas milhares de pessoas. Vulcões que vomitam correntes de lava que queimam habitações, terra, bem como cinzas que atingem populações longínquas” são alguns dos exemplos das consequências da acção “destruidora” do homem.
“Nós próprios aqui na nossa Ilha Terceira, em especial na Praia da Vitória, fomos alvo de grande contaminação pela presença das Forças Armadas dos Estados Unidos da América do Norte, pelo período de cerca de 70 anos. Será que a dita contaminação justificou ou compensou o aparente progresso que nos trouxe?” interpelou aludindo ainda às consequências mais globais desta ação na atmosfera, nos rios e nos mares e também na floresta.
“Acresce a multidão de pobres, que se encontram em campos de refugiados sem quaisquer condições alimentares e sanitárias, de emigrantes que procuram com esperança outros territórios, aos quais são vedados o seu acesso, enquanto os ricos fecham os olhos perante tanto sofrimento e vivem numa bolha de consumismo, egoísmo e individualismo” diagnosticou ainda para concluir que “Estamos perante uma situação em que o mundo clama por Deus”, concluiu.
“Como povo de Deus, conscientes de que o universo não se gerou, não é produto de uma macro exploração, nem veio à existência por uma evolução de milhões de anos, mas foi planeado e criado por Deus, conscientes ainda de que Deus não nos colocou aqui como depredadores da natureza, mas como mordomos da criação, devemos ocupar a dianteira dessa nobre causa, a preservação consciente e inteligente do nosso habitat”, disse.
“Devemos respeitar a natureza, porquanto participamos dos seus frutos e todos têm o direito de participar desses frutos(…) É necessário mudar, ou seja, acabar com a falsa consciência, que se segue à rutura do homem e da natureza (o paradigma tecnocrático) e tomar uma nova consciência, que permita restaurar dons e reciprocidade (ecologia integral)”.
A Laudato Si, documento do magistério que serve de base a estas jornadas promovidas pela ouvidoria da Praia, nas quais têm participado em média mais de uma centena de pessoas, apesar do contexto de pandemia que ainda vivemos, “mostra-nos uma humanidade miserável e sozinha numa noite frigida de máquinas com luzes a piscar. Mas também convoca um gesto radical de desafio amoroso: olhar a criação de Deus com olhos de amor e contemplação, permitindo-nos a nós mesmos sermos convertidos”, alertou o advogado.
“Cada ano que passa, mais convencidos ficamos que no perdão está a maior dimensão do amor e com o perdão e o amor muitos dos nossos problemas ficariam resolvidos” disse ainda o palestrante, que começou a sua intervenção a partir de um itinerário de participação e oração, exigido a cada cristão.
O III Encontro de reflexão teológica, organizado pela ouvidoria da Praia, prossegue esta quarta-feira com uma palestra por Fria Martins, professor catedrático jubilado da Universidade dos Açores. A abertura dos encontros foi feita pelo ouvidor, padre Emanuel Valadão Vaz.