Bispo de Angra presidiu neste primeiro dia do ano à criação do primeiro santuário mariano da ilha de São Miguel em Vila Franca do Campo, por “onde todos devem entrar”, especialmente “os sedentos e perdidos”
Começa hoje um novo capítulo da história da velha ermida da Senhora da Paz elevada a Santuário diocesano neste primeiro dia do ano, em que a Igreja celebra o Dia Mundial da Paz, instituído pelo Papa Paulo VI, o mesmo que na encíclia Populorum Progressio defendeu que o desenvolvimento dos povos seria o novo nome da paz. Também hoje, o bispo de Angra o reafirmou apontando para três dimensões deste novo santuário que transporta consigo o nome de Santuário de Nossa Senhora da Paz.
“Irmãs e irmãos, que aqui se levante hoje a bandeira da paz. Não para nos rendermos, mas para que seja vista de todos os lados e onde a força da oração seja mais forte que a das armas” disse D. Armando Esteves Domingues ao referir-se ao “tormento do terror de guerras destruidoras”, que agravam as já numerosas crises em curso – económica, energética, ambiental, migratória e sanitária- , acentuando clivagens no mundo cristão, entre católicos e ortodoxos e dentro das próprias Igrejas ortodoxas, mas também nos Açores, com um agravamento das desigualdades sociais.
“A paz começa já entre nós, na nossa ilha e Região Autónoma” disse recordando a grande quantidade de pobres que há na região, que viu agravado o seu índice de pobreza de 21,9% para 25,1%, no último ano, dados que colocam os Açores, tal como a Madeira, à frente na liderança das taxas de pobreza a nível nacional.
“Como cristãos, não podemos ter verdadeira paz enquanto tivermos uns muito ricos e outros muito pobres, uns que têm em demasia e desperdiçam e outros que passam fome, enquanto uns vivem tranquilamente em palácios e outros na rua” afirmou citando o papa Paulo VI.
“Erguer a bandeira da Paz é também lutar pela justiça social e, perceber que contributo podemos e queremos dar nesta luta intransigente pela paz que passa pela igual dignidade de todos” sublinhou ainda alertando para o risco de um aumento da pobreza.
A partir do Magnificat, em que Maria previu que Cristo iria “derrubar os poderosos de seus tronos e exaltar os humildes; que iria encher de bens os famintos e aos ricos despedir de mãos vazias”, o prelado interpelou: “Que faria Maria na nossa ilha?” para, de imediato responder: “Provavelmente chamaria todos os amigos do seu filho Jesus para ajudarem neste desígnio de paz, nascida da harmonia entre todos os seus filhos. Talvez tenha sido por isso que Jesus saiu de casa aos 33 anos, e foi para as ruas anunciar uma Boa Notícia de libertação dos doentes e oprimidos, dos pobres e prisioneiros, dos marginalizados pelo poder político e religioso da época”.
“Deixemos que Nossa Senhora da Paz molde o nosso coração para sermos artífices de paz, portadores de esperança aos seus filhos aflitos. Lembrais-vos que à sua prima Isabel, Maria leva a paz e a alegria? A paz, de facto, não viaja sozinha: precisa de pernas, de braços e de uma voz”.
“Rezemos pelos nossos centros sociais, Cáritas, Vicentinos e outros grupos caritativos que dão respostas importantes. Mas, nós não fiquemos indiferentes, convencidos que outros farão” frisou ainda pedindo também oração pelas famílias.
“Rezemos pelas nossas famílias, para que sejam escolas de valores onde todos acolhem e cuidam da vida, onde se aprendam relacionamentos respeitosos e fraternos, se ensinem a partilha e o cuidado e se viva uma caridade com consequências para os necessitados mais próximos”, salientou.
“A paz no mundo, a paz social e a paz na família depende de cada um”, frisou por fim.
“Nós vos pedimos, Senhora e Rainha da Paz, que todos os conflitos e guerras encontrem uma solução rápida e que quantos te amam e invocam se inspirem em ti para serem sempre construtores de paz”, disse dirigindo-se especialmente a todos os “reitores e a quem vier a cuidar da pastoral” deste Santuário que faça dele “o lugar de onde um enorme coro possa cantar e rezar pela Paz todos os dias”.
D. Armando Esteves Domingues, que já tinha deixado algumas indicações sobre o futuro Santuário no dia 9 de novembro, aquando da celebração da festa de Nossa Senhora da Paz, apelando à construção de um espaço devidamente enquadrado na natureza e sustentável, agora deixa sugestões pastorais muito concretas a partir dos documentos do magistério.
O bispo de Angra deseja um Santuário que faça “o acolhimento aos peregrinos para lhes proporcionar uma profunda experiência com Deus”; que dê “tempo para a proximidade com as pessoas e para a escuta de quem procura conforto espiritual e humano, seja no sacramento da Reconciliação ou apenas numa conversa amiga”; que seja “um centro de irradiação espiritual nesta região e Ilha, com dinâmicas de nova evangelização como pede o Papa num documento sobre os santuários” e, por fim que seja “um lugar de divulgação da espiritualidade mariana centrada na esperança e na paz”.
“Os sedentos e os perdidos virão aqui rezar. Aqui encontrarão amor, compreensão, consolação: o verdadeiro sentido da vida. Aqui haverá uma porta que terá o nome de `Porta de Paz´. Todos devem entrar por esta porta. Abertas as portas da Esperança, abre-se aqui hoje a `Porta da Paz´!”, concluiu.
O Santuário terá como primeiro reitor o padre José Borges, pároco da Igreja Matriz de Vila Franca do Campo que teve a tutela deste espaço que agora passa a depender diretamente do bispo de Angra.
“Esta elevação a santuário é fruto de um longo percurso com manifestações públicas de oração, devoção e peregrinação. Muitos já caminharam em direção a esta ermida, numa confissão de fé; o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada um encontro de amor com Deus” afirmou o prelado recordando os “muitos peregrinos tomaram decisões que marcaram as suas vidas”.
“As paredes desta ermida, agora Santuário, contêm certamente histórias de conversão, de perdão e de dons recebidos que muitos poderiam contar”, concluiu na homilia da concelebração que contou com a presença de vários sacerdotes e povo da ilha de São Miguel, devotos da Senhora da Paz, a última invocação da Ladainha e foi introduzida em 1917 pelo Papa Bento XV, com o objetivo de obter a paz para o mundo atingido pela Primeira Guerra Mundial. No mesmo mês, Nossa Senhora apareceu aos três Pastorinhos de Fátima, depois do Papa ter pedido para se rezar pela paz no mundo.
A Ermida de Nossa Senhora da Paz foi construída em 1764, no século XVIII, onde se encontrava um “templo mais primitivo, possivelmente do século XVI”, no local onde um pastor terá encontrado uma imagem de Nossa Senhora numa gruta.
O acesso ao templo, Imóvel de Interesse Público pelo Governo Regional dos Açores, desde 1991, faz-se por uma escadaria com 100 degraus, os patamares representam os mistérios gozosos e dolorosos do Rosário.
A Diocese de Angra, presente nas nove ilhas do Arquipélago dos Açores, tem, atualmente, cinco santuários diocesanos, três cristológicos e dois marianos: Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada (São Miguel); Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso, em São Mateus (Pico); Santuário do Senhor Santo Cristo da Caldeira, na Fajã do Santo Cristo (São Jorge); e na ilha Terceira, os santuários marianos de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora dos Milagres.
Os santuários diocesanos de Angra vão ter como lema este ano “Cristo é a nossa esperança”, da Primeira Carta de São Paulo a Timóteo.
A cerimónia de hoje começou com a oração feita pelo bispo de Angra à Senhora da Paz e distribuída numa pagela com o decreto episcopal que cria o Santuário, na Ermida, seguindo-se depois a recitação do Rosário, com os mistérios gozosos, nos quais se lembraram os mais necessitados, os políticos que decidem e definem as políticas de combate à pobreza, os que sofrem e as famílias que também, como Maria e José, perdem os filhos na droga e nos “lugares de desesperança” da humanidade , seguindo-se celebração da Eucaristia, com a leitura do decreto episcopal que cria este novo Santuário.
Ermida de Nossa Senhora da Paz elevada a santuário em dia de Ano Novo