Responsáveis de associações cristãs e da sociedade civil, empenhadas na defesa do ambiente, consideram que a encíclica ‘Laudato si’, do Papa Francisco, fomentou uma maior responsabilidade social e política em torno desta temática.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, Rita Veiga, da Rede ‘Cuidar da Casa Comum’, Francisco Ferreira, da Associação ‘Zero’, e Pedro Franco da ‘Fundação Fé e Cooperação’, realçam o documento como “um marco” que trouxe de novo um conceito de ‘ecologia integral’ e que comprometeu também as novas gerações, podendo falar-se mesmo numa “geração Laudato si”.
Para Francisco Ferreira, quatro anos depois da publicação da encíclica de Francisco, é visível que o documento uniu não só os “católicos”, mas “toda a sociedade” nesta “emergência” de salvaguardar os recursos naturais do planeta.
Um dos exemplos dessa mudança está no discurso político, onde o tema está cada vez mais presente.
“É curioso que quando olhamos para as declarações de vários políticos europeus, todos eles, nos últimos dias após as eleições europeias, mencionam o tema das alterações climáticas”, realça o responsável pela Associação ‘Zero’, para quem é preciso agora passar das ações às palavras, porque a luta contra a degradação ambiental atingiu um “ponto fulcral”.
“Até 2044, de acordo com o relatório científico mais recente, de outubro do ano passado, nós precisamos de atingir aquilo a que chamamos de neutralidade carbónica. Ou seja, precisamos que o carbono que é retido principalmente pelas florestas seja igual ao carbono que emitimos por exemplo pela queima de combustíveis fósseis”, salienta.
O setor dos transportes é um dos pontos-chave nesta conversão ecológica, com a necessidade de, “a muito curto prazo, de abandonar os carros a gasóleo ou a gasolina”.
Outra área essencial é a indústria alimentar, onde tem de ser também instituída uma “mudança de paradigma”, desde “a escala individual até à ação política”, no que respeita ao “uso de recursos”, de hábitos de produção e de consumo.
“Nós precisamos realmente, com maior responsabilidade dos países desenvolvidos, de ações muito fortes”, frisa Francisco Ferreira.
Pedro Franco, da Fundação Fé e Cooperação, destaca a forma como a encíclica ‘Laudato si’, do Papa Francisco, tem tocado as novas gerações, com particular realce para a ação de Greta Ernman Thunberg.
Uma jovem ativista ambiental sueca que deu origem a um movimento global contra a inação política face às alterações climáticas, com protestos estudantis em diversos países, incluindo em Portugal, e que se fez sentir também ao nível do voto.
“Nós assistimos, mesmo nestas eleições europeias, a um crescimento do partido ‘Os Verdes’ a que não é alheio a este movimento estudantil por exemplo na Alemanha, onde é fortíssimo”, apontou.
O membro da Fundação Fé e Cooperação participou recentemente (24 de maio) com cerca de cinco mil num protesto contra as alterações climáticas em Lisboa, diante da Assembleia da República, no âmbito dos 4 anos da encíclica ‘Laudato si’.
Questionado sobre se poderemos estar perante “uma geração das manifestações” ou da “conversão ecológica”, Pedro Franco admite que se pode falar numa “geração Laudato si”.
A Rede ‘Cuidar da Casa Comum’, um projeto ecuménico que envolve várias instituições, organizações, obras e movimentos católicos e cristãos, tem procurado “dar a conhecer” a encíclica ‘Laudato si’ e “levar as pessoas a aprofundar e interiorizar” esse documento “com vista a uma conversão”.
De acordo com Rita Veiga, um dos efeitos visíveis do projeto tem sido a fomentação de vários grupos de “conversão ecológica” nas paróquias e que atuam em ligação também “com as escolas”.
“Os grupos têm este efeito multiplicador, de passar para o meio em que as pessoas se mexem, para as esferas de influência”, salienta aquela responsável, que admite, no entanto, que a temática da defesa do ambiente “não está nas agendas católicas tanto como deveria” e tem ainda pouca força ou consequência no espectro político.
“Apesar de tudo sentimos que há muita inércia e há muito discurso, mas as ações depois ficam aquém”, completa.
A encíclica ‘Laudato si’ – expressão inspirada em São Francisco de Assis – contesta um modelo de desenvolvimento baseado no “uso intensivo de combustíveis fósseis”, que está no centro do sistema energético mundial.
O Papa defende ainda a necessidade de uma redução de gases com efeito de estufa, o que “requer honestidade, coragem e responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes”.
A encíclica com 246 números, divididos em seis capítulos, fala da “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta” e lança várias críticas a um “novo paradigma e formas de poder que derivam da tecnologia”, desafiando a comunidade internacional a “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso”.
Francisco convida a reconhecer “o valor próprio de cada criatura”, o “sentido humano da ecologia”, e considera que face a temas tão complexos existe a necessidade de “debates sinceros e honestos”.
O Papa recorda “a grave responsabilidade da política internacional e local”, condenado o aborto e a “cultura do descarte”, num texto que apresenta a proposta dum “novo estilo de vida” para a humanidade.
A encíclica é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão ‘Laudato si’’ (louvado sejas) remete para o ‘Cântico das Criaturas’ (1225), de São Francisco de Assis, o religioso que inspirou o pontífice argentino na escolha do seu nome.
(Com Ecclesia)