“É preciso generalizar e universalizar o sentimento de compaixão” afirma Maria do Rosário Vidal

Foto: Igreja Açores/
PC

Médica paliativista partiu do episódio da ressurreição de Lázaro, narrado no evangelho de São João (Jo 11, 1-45) para elogiar o valor da “liberdade espiritual” no momento da morte e do luto

A responsabilidade de cuidar do fim da vida “é de todos” e para isso é fundamental que o sentimento de compaixão “se generalize ou melhor se universalize”, afirmou na passada quinta-feira, 29 de junho, a médica paliativista Maria do Rosário Vidal na 4º Conversa na Sacristia, organizada pela equipa da pastoral da Cultura da Igreja de São José, em Ponta Delgada.

“É imperioso que o sentimento de compaixão se generalize ou melhor se universalize nas nossas comunidades” afirmou a clínica frisando que “a compaixão não é simpatia, mas uma determinação genuína, verdadeira que se concretiza em ações diárias e constantes de ajuda ao doente em fim de vida”.

A partir do episódio da ressurreição de Lázaro, narrado no evangelho de São João, a médica, formada pela Universidade do Porto, com a especialidade de Medicina Interna, centrou-se na qualidade de vida que importa garantir a quem é ditada uma sentença de morte por doença terminal cuja resposta não consegue ser dada pela ciência.

“Diariamente, percebo que as necessidades ultrapassam a equipa de Saúde” afirmou Maria do Rosário Vidal, lembrando que “os Cuidados Paliativos podem ser úteis em qualquer fase de uma doença grave, mas o seu valor é mais claro quando o prognóstico se fecha e se anuncia a proximidade da morte”.

“Estes cuidados assentam no respeito pela vida e na aceitação da inevitabilidade da morte” sublinhou alertando para a dor e sofrimento provocados pela “inevitabilidade da morte”.

“Neste último e difícil caminho, o acompanhamento por uma boa equipa de Cuidados Paliativos ajuda o doente e a família a encontrar de um sentido e a manter a sua própria dignidade” referiu salientando que o importante é que cada doente e cada família consigam encontrar um sentido para o sofrimento.

“Quem trabalha com doentes em fim de vida, sabe que a consciência da morte embora dolorosa pode servir como uma experiência que desperta para a vida, ser um catalisador importante para provocar alterações essenciais na nossa maneira de viver”, explica.

“Muitos doentes, em vez de ficarem em desespero, reorganizam as suas prioridades, banalizam o trivial e assumem o poder de não fazerem aquilo não têm vontade de fazer. Passam a comunicar melhor com aqueles que amam e a valorizar as coisas mais simples do dia-a-dia” salientou ainda lembrando um dos livros mais referenciados no tratamento do luto escrito por um médico judeu, Viktor Frankl sobre a sua experiência num campo de concentração e o sentido que deu ao sofrimento derivado das atrocidades cometidas pelos nazis.

“No exercício da compaixão também se aprende o papel benéfico da `neutralidade terapêutica´ e da distância afetuosa. Uma coisa é sofrer com o outro, outra é sofrer em vez do outro ou projetando-se nele. Compadecer-se significa sofrer o sofrimento enquanto outro. Sabemos que não nos cabe curar, mas que tão ou mais importante do que a cura é estarmos presentes”, concluiu.

“Que a liberdade espiritual que dá um sentido e finalidade às nossas vidas nunca nos seja roubada”, disse ainda.

Maria do Rosário Vidal é coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada. Completou a licenciatura em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em 1990, e é pós-graduada em Cuidados Paliativos pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, desde 2009. É especialista em Medicina Interna e, para além da Unidade de Cuidados Paliativos, exerce ainda a sua atividade profissional nos serviços de Medicina Interna e na Unidade de Oncologia Médica, tendo também desempenhado funções como Chefe de Equipa do Serviço de Urgência.

As Conversas na Sacristia são uma iniciativa mensal da equipa da pastoral da cultura da paróquia de São José que visam o diálogo entre a cultura e a religião entre crentes e não crentes.

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