Pelo padre Hélder Miranda Alexandre
Têm surgido dúvidas acerca da possibilidade de se confessar em tempo de pandemia como aquela que atravessamos. Muitos fiéis sentem esta necessidade, sobretudo na celebração da grande festa da Páscoa. Como fazer? Pode-se confessar individualmente? Por que não realizar uma absolvição geral? Posso confessar-me por telefone ou email? Basta uma contrição perfeita?
No dia 20 de março, na missa de Santa Marta[1], o Papa Francisco recomenda que se faça a contrição perfeita quando não for possível encontrar um sacerdote. «“Padre, onde posso encontrar um sacerdote, um confessor, porque não se pode sair de casa? Eu quero fazer as pazes com o Senhor, quero que Ele me abrace, que o meu Pai me abrace… Como posso fazer se não encontro sacerdotes?” Faz aquilo que diz o catecismo. É muito claro: se não encontras um sacerdote para confessar-te fala com Deus, é o teu Pai, e diz-lhe a verdade: “Senhor eu fiz isto, isto, isto… desculpa-me”, e pede-lhe perdão com todo o coração, como ato de contrição, e promete-lhe: “depois me confessarei, mas perdoa-me agora”. E depois, tornarás à graça de Deus»[2].
No dia 19 de Março, a Penitenciaria Apostólica[3] emanou uma nota em que esclarece o modo como se deve realizar a confissão individual, nas atuais circunstâncias. «Na atual emergência pandémica, cabe portanto ao Bispo diocesano indicar aos sacerdotes e aos penitentes as prudentes atenções a adotar na celebração individual da reconciliação sacramental, tais como a celebração num lugar ventilado fora do confessionário, a adoção de uma distância adequada, a utilização de máscaras protetoras, sem prejuízo da atenção absoluta à salvaguarda do selo sacramental e à necessária descrição». Daqui a importância dos capelães hospitalares. «Devem ser consideradas a necessidade e a oportunidade de criar, quando necessário, de acordo com as autoridades da saúde, grupos de “capelães extraordinários de hospitais”, também numa base voluntária e em conformidade com as normas de proteção contra o contágio, para garantir a necessária assistência espiritual aos doentes e aos moribundos».
Segundo a mesma nota, considera-se que a grave necessidade para uma absolvição coletiva, determinada no can. 961§1, 2º, se enquadra em certos lugares em algumas situações extremas, mas depende da determinação do Bispo diocesano. «Cabe sempre ao Bispo diocesano determinar, no território da sua circunscrição eclesiástica e em relação ao nível de contágio pandémico, os casos de grave necessidade em que é lícito conceder a absolvição coletiva: por exemplo, à entrada das enfermarias hospitalares, onde estão internados os fiéis contagiados em perigo de morte, utilizando, na medida do possível e com as devidas precauções, os meios de amplificar a voz para que a absolvição possa ser ouvida». Até ao momento o nosso Bispo não concedeu esta faculdade, devido ao pequeno número de casos registados entre nós. Por isso, não se pode realizar e a sua prática incorreria em invalidade. Note-se que a faculdade para confessar manifesta a unidade dos presbíteros com o bispo, necessária para que o presbítero possa absolver validamente.
A prática de confissão por telefone ou por meio da internet é proibida. Seria um grave risco à inviolabilidade do sigilo sacramental. Em 1998, a Congregação para a Doutrina da Fé emanou uma nota explicativa: «a) não existe uma tomada de posição oficial da Santa Sé, b) do ponto de vista da teologia moral pode ser considerado um sacramento válido, c) no entanto, esta prática não está permitida, com a exceção de extrema necessidade. Se esta prática se divulgasse, os efeitos seriam contrários à dimensão social do sacramento, valorizada no Concílio Vaticano II»[4].
O perdão divino é sempre uma certeza, mas a administração deste sacramento depende da autoridade da Igreja. A fidelidade às normas da Igreja é sinal de obediência, à semelhança de Jesus que se fez obediente até à morte, e de comunhão fraterna para o bem comum dos fiéis.
[1] https://www.vaticannews.va/it/vaticano/news/2020-03/confessione-riconciliazione-coronavirus-24-ore-signore.html (consultado a 5 de abril de 2020).
[2] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1452.
[3] Cf. Penitenciaria Apostólica, nota de 19 de março de 2020, in https://www.vatican.va/roman_curia/tribunals/apost_penit/documents/rc_trib_appen_pro_20200319_decreto-speciali-indulgenze_po.html#NOTA: «Esta Penitenciaria Apostólica considera que, especialmente nos lugares mais afetados pelo contágio pandémico e enquanto o fenómeno não acabar, se sigam os casos de grave necessidade mencionados no can. 961 § 2».
[4] Archiv für katholisches Kirchenrecht, 158 (1989) 484.
*O padre Hélder Miranda Alexandre é doutorado em Direito Canónico