Por Piedade Lalanda*
Podemos ler todos os textos da bíblia à procura da essência do que é ser família, que nenhum fará mais sentido do que a frase: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.
Mais do que um nome, um teto, é na partilha afetiva, no Amar e no amor, que a família se define e se constrói, sobretudo nos momentos de dificuldade. Mas de que família falamos? Quem faz parte da(s) família(s)? Quais são as famílias que integram a comunidade cristã?
Hoje em dia há uma diversidade de modos de vida, percursos e motivações que mobilizam as pessoas e explicam as tensões que afligem as famílias, desde o desemprego à violência doméstica, da diferença cultural à dificuldade de acompanhar a evolução tecnológica. A família não é um todo homogéneo. Não existe uma forma única de ser família, à qual se possa atribuir um “nome”, identificada como um grupo coeso, sentado num “determinado banco” do templo, praticando a religião como as gerações anteriores. Essa unidade “formal” praticamente já não existe e é fundamental que a igreja, que se quer universal, o reconheça.
Mas será que a comunidade dos crentes está aberta e disposta a acolher outras formas de família, que não sejam a nuclear (pais com filhos), que se construíram na partilha de laços afetivos significativos? Hoje são frequentes as famílias monoparentais ou recompostas, os casais homossexuais ou os que vivem em união de facto. Mas será que o amor tem um formato social? Amar é uma dimensão humana e espiritual muito abrangente, que não se enquadra apenas num determinado tipo de agregado familiar. As “novas” formas de família não são “marginais” ou “más”, mas apenas diferentes.
Quanto mais estreita for a porta de acesso das famílias à comunidade dos crentes, menos a igreja será universal. A única porta estreita que se aceita é a porta do Amor. Só devem ser rejeitados os laços que não são fruto do Amor, sejam as agressões entre marido e mulher, os maus-tratos sobre menores, os abusos de poder, as violações ou a exploração. Essas sim, são formas de vida familiar que nunca deveriam ser admitidas ou toleradas no quadro de uma igreja fundada no Amor.
E o mundo precisa de famílias que se amem, que sejam lugares de afeto e de confiança, portos seguros e de abrigo, espaços de liberdade e de crescimento pessoal, como grupo e como indivíduos. Perante as incertezas que afligem as sociedades, para enfrentar as perdas de emprego ou de saúde, as famílias são o único suporte efetivo e afetivo, que estrutura as relações, integra os mais frágeis e confere equilíbrio, reconhecimento e estabilidade em momentos de crise.
Mas, para que as famílias possam cumprir esta missão, não podem ser “redomas de vidro” que isolam, ignorando o mundo que as rodeia. O amor só se enriquece nas relações e só aumenta na dádiva. Por isso, só as famílias que se cimentam no Amor (amai-vos uns aos outros) podem abrir as comunidades cristãs à diversidade, conscientes de que “onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, Ele estará no meio deles”.
* Piedade Lalanda é socióloga, Professora na Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada