O 53º sacerdote diocesano a ser ordenado pelo Bispo de Angra, é natural das Capelas e será ordenado a 11 de abril.
Eurico Caetano na primeira entrevista ao Sítio Igreja Açores fala da “responsabilidade de ser exemplo, de ser testemunha, de ajudar outros no encontro com Deus” e na experiência que há cerca de um ano está a viver nas Flores, como professor de Educação Moral e Religiosa Católica, a apoiar os dois sacerdotes que gerem in solidum a ouvidoria que tem 10 paróquias.
Fala do passado- “O percurso do seminário não foi fácil para mim. Confesso”- das dúvidas- “que me fizeram parar a caminhada”- e da “insistência de Deus”.
Reflete sobre o futuro ministério e deixa pistas sobre a sua maneira de o exercer- “em proximidade”- inspirado no exemplo do Papa Francisco
Sítio Igreja Açores- Como se sente com a notícia esperada da ordenação?
Diácono Eurico Caetano- Sinto-me feliz!! Feliz por dar este passo na resposta ao chamamento do Senhor, para O servir na Sua Igreja.
Sítio Igreja Açores- Em agosto do ano passado foi ordenado diácono. Agora vai ser ordenado presbítero. O que é que vai mudar na sua vida?
Diácono Eurico Caetano- Fui ordenado no passado dia 9 de agosto diácono, o mesmo será dizer, ordenado para o serviço. No fundo, a ordenação de presbítero é continuar este serviço.
As maiores diferenças prendem-se com os sacramentos e a responsabilidade. Nos sacramentos, nomeadamente o da Reconciliação, da Unção dos Doentes e Eucaristia. Nos dois primeiros, o presbítero é chamado a ser o rosto de Deus que perdoa, que vai ao encontro de quem sofre e de quem se sente arrependido, e que quer renascer na sua relação consigo, com os outros e com Deus. É algo importante. Ser canal do Perdão e da Graça de Deus na vida dos Homens. Além destes, temos o Sacramento da Eucaristia, que é memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Como neste sacramento participamos no ato Salvador de Deus, a diferença é que serei, neste sacramento, chamado a ser veículo, a ser instrumento de Jesus para que Ele possa falar, oferecer-Se a cada um. No fundo, são estas as mudanças relativas aos sacramentos, a questão da função que irei desempenhar.
O que vai mudar, também, é a responsabilidade. Pela ordenação presbiteral somos colocados em nome do Sr. Bispo para o pastoreio das diversas comunidades da Diocese. Trata-se de, em nome do Bispo, orientar as comunidades na sua caminhada de Fé. E este orientar acarreta responsabilidade.
Sítio Igreja Açores- Está inserido numa experiência verdadeiramente in solidum nas Flores. Gostaria de continuar?
Diácono Eurico Caetano- Uma experiência in solidum é estar em comunhão, é uma vivência de conjunto. No caso das Flores é uma vivência em comum, onde 10 comunidades têm ao seu serviço uma comunidade de clero, constituída, neste momento, por dois sacerdotes e dois diáconos, sendo um diácono permanente.
O bom desta experiência, e que a torna verdadeiramente in solidum, não será tanto os programas iguais que fazemos para todas as comunidades, não será tanto fazer atividades em conjunto, mas, para nós, é viver e conviver em comum. Vivemos os três na mesma casa, eu e os dois sacerdotes. O facto de isto acontecer permite que nos apoiemos uns aos outros. Um dos problemas que podemos correr é isolarmo-nos, é sermos invadidos pela solidão, que muitas vezes leva ao desânimo e a outras situações. O facto de vivermos juntos colmata esta dificuldade. Apesar de vivermos juntos, nenhum perdeu a sua individualidade, todos mantêm a sua privacidade. Procuramos, isso sim, estar juntos às refeições e ter um momento de oração em comum, quando é possível, e, ao fim do dia, partilhar a vida: os problemas que surgem no dia-a-dia, as alegrias do serviço e do encontro… Perante isto, digo que é uma experiência gratificante, ao mesmo tempo que testemunha junto das comunidades o viver em conjunto.
Se gostaria de continuar com esta experiência? Bem, isso será um diálogo a ter com o Bispo Diocesano quanto à durabilidade da minha permanência nesta ilha. Mas julgo que se prolongará por alguns anos.
Sítio Igreja Açores- Que balanço faz deste primeiro ano aí nessa ouvidoria?
Diácono Eurico Caetano- Este primeiro ano na Igreja da Ouvidoria das Flores, para mim, foi um ano de conhecer a realidade, as vivências e as tradições.
Cheguei à Ilha das Flores e encontrei a vivência in solidum. Vivência esta que foi implementada devido ao número de clero e de comunidades, o despovoamento da ilha e, também, devido às comunidades serem muito pequenas, que, se continuar o êxodo da sua população, deixarão de existir. Este é um dos problemas graves com que nos deparamos na Ouvidoria e que me angustia pessoalmente. Há comunidades que se circunscrevem a algumas famílias, há comunidades onde vão apenas duas pessoas locais à Eucaristia, sendo as restantes pessoas das comunidades vizinhas… bem, podia fazer aqui um elenco de situações preocupantes e que se está a refletir.
Este ano, que coincide com a minha chegada à ilha, celebramos os 500 anos de História e Vivência cristãs na Paróquia das Lajes e, portanto, da Ilha das Flores. É um momento propício para festejar ao mesmo tempo para refletir sobre o caminho. Portanto, este meu primeiro ano, marcado por muito dinamismo da equipa do clero e de alguma resposta positiva das 10 comunidades que nos estão confiadas, está a ser marcado pelo balanço sobre o caminho percorrido e o caminho a trilhar no futuro.
Apesar de estar na ponta europeia, apesar do despovoamento da ilha, muito ainda se faz. Mantém-se algumas tradições (festas, arrematações, festas do Espírito Santo e suas sopas…) às quais os mais novos não se sentem identificados, ao mesmo tempo que temos investido na formação dos leigos. Está a ser um ano com muito trabalho. Tudo a 10. Dez comunidades, umas mais pequenas que outras, mas para as quais damos o que somos e temos, como se tratassem de comunidades enormes.
Sítio Igreja Açores- Esteve no Seminário de Angra, depois noutros seminários do continente. Acabou na Católica. Estas mudanças deveram-se a dúvidas na caminhada ou a uma necessidade de alargar horizontes?
Diácono Eurico Caetano- O percurso do seminário não foi fácil para mim. Confesso. Houve dúvidas que me fizeram parar a caminhada. Parei e trabalhei em diversos sectores de atividade profissional. Mas o Senhor é insistente. Eu achava que não era isso, que não tinha perfil, que não … Arranjei muitas desculpas… e Ele vinha de novo: “Segue-Me!” E respondi. Ir para o continente foi por convite e por ter tido conhecimento da necessidade de vocações em Dioceses como as do sul do país. Lá tive uma experiência diferente. A nossa Diocese manteve a sua forte tradição cristã. As Diocese do sul, dada a mentalidade anti-clerical, apostaram na formação dos cristãos aos mais diversos níveis. Talvez por isso, são comunidades que querem crescer, que estudam, que procuram momentos de oração fortes… Não estou a querer dizer que na nossa não exista. Existe, e Graças a Deus que existe. Mas a relação dos leigos com a comunidade é diferente. Mas neste campo, há de tudo em todo o lado.
Mas o bom desta experiência, foi conhecer outras realidades e outras formas de viver em e na Igreja, que me ajudaram a ter um horizonte mais amplo e de ter a preocupação de ajudar outros a ter uma autêntica vivência cristã.
Sítio Igreja Açores- Sente-se hoje mais preparado para servir?
Diácono Eurico Caetano– Acho que sim. Até porque passei por várias experiências pastorais e em várias comunidades, todas diferentes. Ajudou-me a crescer o contacto com esta diversidade. No fundo, estes últimos anos fizeram com que olhassa para as coisas com mais calma. Ajudou-me a rezar os problemas, a procurar caminhos não tão imediatos para a experiência com Deus. Porque, saímos do seminário e pensamos e queremos tudo logo, fruto do fulgor da juventude. Com 32 anos há um outro olhar, um outro pensar, um outro ser, do que tinha aos 24. Com o amadurecimento e a experiência pastoral diversificada, sinto-me mais preparado para servir? Sim!
Sítio Igreja Açores- Como é que surgiu esta vocação?
Diácono Eurico Caetano- A minha mãe diz que desde criança. Lembro-me apenas a partir de certo ponto. Quando era criança frequentava o Jardim de Infância da Casa do Trabalho, das Irmãs Servas da Sagrada Família, que ainda estão na minha paróquia. As irmãs perguntaram a todos o que quereriam ser quando crescessem. Eu não sabia. E uma das irmãs disse: “Ainda vais ser padre.” Aquilo ficou. Hoje vejo o Senhor a servir-se daquela religiosa para me chamar, pois Ele também se serve de outros para nos despertar para o chamamento. Daí até dar o passo, até dar a resposta, ainda levou alguns anos. Até que em 1994 decidi responder e ingressei no Seminário Menor de Ponta Delgada onde estive dois anos, pois entretanto fechou. Depois as reviravoltas que a vida deu até hoje. Até chegar aqui foi preciso rezar. Precisei intensificar uma intimidade com Jesus, para aprender Dele os Seus sentimentos e gestos. Precisei discernir na oração, na direcção espiritual, no contacto com os meus superiores, colegas e amigos, se seria mesmo esse o caminho que o Senhor me chamava a percorrer. Até responder definitivamente.
Recordar estes inícios é recordar que fui chamado a responder ao chamamento que o Senhor me faz em diversas fases da minha vida e de diferentes maneiras, com avanços e recuos, com altos e baixos na caminhada. Mas fui amadurecendo a resposta e com o passar dos anos, foi sendo alicerçada no amor. No fundo, Ele chama todos os dias e eu procuro responder como Isaías: “Eis-me aqui, envia-me.” (Is 6,8)
Sítio Igreja Açores- Como se vê como futuro sacerdote?
Diácono Eurico Caetano- Vejo-me como alguém próximo das pessoas. Tenho consciência das minhas falhas, como todos, mas como disse Bento XVI “o Senhor é especialista em trabalhar com instrumentos insuficientes”. Por isso, na relação de intimidade com Deus, procurarei buscar a força e a alegria para servir o projeto de Deus junto das comunidades. Apesar das mudanças do nosso tempo, as pessoas continuam a esperar de nós santidade de vida e a alegria de ser padre. Com a ajuda de Deus espero ser testemunha dessa alegria e do Seu amor pela humanidade. Para isso conto com a ajuda de Deus, das comunidades e dos outros sacerdotes nesta missão que me será confiada.
Sítio Igreja Açores- A igreja vive hoje momentos desafiantes, com apelos sucessivos do Santo Padre a uma igreja missionária. Está preparado para exercitar este caminho?
Diácono Eurico Caetano- Procuro estar. Não é um caminho fácil. E não é fácil porque vivemos num mundo onde não há lugar para compromissos, onde tudo é descartável e onde se vive muito da aparência. Ora, a ação missionária a que o Papa Francisco nos exorta é uma ação que terá de enfrentar esta mentalidade. E creio, que só poderá haver verdadeira ação missionária, quando a nossa vida traduzir a Boa Nova. Quando os outros virem que somos felizes porque somos cristãos, quando formos testemunhas alegres do Evangelho e quando nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou primeiro, então será possível a missão. Hoje não podemos contentar-nos com palavras. O anúncio, a ação missionária tem de ser a vida concreta do dia-a-dia, nos gestos e nas atitudes, nas palavras e sentimentos. Esta é a melhor ação missionária, quando olharem para nós e disserem como disseram das comunidades primitivas: “Vede como eles se amam.” (cf. Act 2, 42-46; 4, 32-35).
Sítio Igreja Açores- O papa assinala amanhã dois anos de pontificado. Identifica-se com ele?
Diácono Eurico Caetano- O Papa Francisco surpreende-nos desde o primeiro dia. É alguém que nos está a proporcionar uma reflexão sobre o nosso ser Igreja, sobre o nosso ser cristãos e sobre o ser sacerdote, também. De facto, as suas palavras, os seus gestos e atitudes, são de uma proximidade para com quem sofre e está excluído. Ele exorta-nos a uma vida de compaixão, de aceitação dos outros, criando pontes de diálogo para a construção de um mundo melhor, onde haja paz. Se eu me identifico com este papa?! Sim! Porque ele procura imitar o próprio Cristo. Jesus foi ao encontro dos marginalizados, foi ao encontro da miséria, foi ao encontro do pecador, de todos. E ser cristão é imitar o Mestre. E é isso que o Papa Francisco está a procurar fazer. E com este seu testemunho, vemos que procurando os mesmos sentimentos de Cristo somos verdadeiramente felizes. No fundo o Papa convida-nos, sem o dizer, ao mesmo que São Paulo nos convida: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo.”(1Cor 11,1).