Por Carmo Rodeia
Não há narrativas fáceis para o que se passa na política: os políticos cultivam um discurso miserabilista de si próprios, dão uma imagem de que o caciquismo é o grande código de conduta da sua atividade e com isso, contribuem para a criação de um fosso cada vez maior entre os partidos e os cidadãos, com os primeiros a serem verdadeiras empresas preocupadas com o interesse privado e com os negócios dos seus militantes dirigentes ou a ladainha da ocasião, e os segundos cada vez mais alheados da participação cívica. No meio deste divórcio surgem alguns espertalhões, que dissidem dos partidos de origem e formam umas agremiações, de fim mais ou menos à vista, mas cujo período de duração serve para alimentar o protagonismo, que os partidos de origem lhes negaram, e para cavalgar o apoio dos descontentes cidadãos que ainda se interessam pela coisa pública e destilam veneno contra os que estão nos outros partidos, ditos convencionais, uns mais pragmáticos outros mais ideológicos, mas ambos, em queda.
O discurso anti-política vai por isso de vento em popa. E de quem é a culpa?
Esta semana, a revista Visão apresentou uma entrevista com Esser Jorge Silva, sociólogo e investigador da Universidade do Minho, que acaba de realizar um estudo intitulado “Os profissionais da Política- Estudo Interpretativo sobre a Elite Política-Portugal(1974-2016)”.
Logo, numa leitura do título, feito a partir de uma citação: “Quando os políticos se dizem emprestados à política, ou numa espécie de férias para cumprirem uma missão, alimentam a ideia de que a política não merece ser levada a sério”, senti que merecia investir no tema num Entrelinhas. E como sigo o velho ditado “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”, cá estou eu a ocupar estas Entrelinhas com este assunto.
O fenómeno político sempre me atraiu, do ponto de vista da análise pois do ponto de vista da militância julgo que já seria difícil. Para se fazer um percurso no interior de um partido é preciso negar-se alguns valores. É dos livros. Em instituições mais ou menos fechadas, o caminho não se faz em absoluta liberdade. Mas essas são as regras e quem adere deve conhecê-las para que o resultado não seja contrário às expetativas.
Aliás deve ser por isso, que dos 33 anos que levo de vida profissional como jornalista, a esmagadora maioria foi a cobrir assuntos de natureza política- governos, parlamentos e partidos políticos- e uma das coisas que sempre me inquietou foi o discurso miserabilista que os políticos, sem terem verdadeiramente consciência, cultivam de si próprios dando aso, justamente, a que ninguém os leve a sério e tenha deles a pior das impressões. Acresce um discurso perverso sobre o vencimento dos políticos, alimentado pelos próprios e assente no pressuposto de que o político, para ser sério, tem de ser uma pessoa empobrecida.
É certo que os políticos não têm dado a melhor imagem de si próprios e que os partidos apresentam uma lógica perversa assente numa valorização do domínio do aparelho em detrimento da competência técnica ou até da integridade, levando a que, na esmagadora maioria dos casos, indivíduos tecnicamente competentes e com pensamento, sejam relegados para segundo plano em prol da ascensão de um ou mais caciques. Afinal, sem tropas não se garante o apoio…
Como diz Esser Jorge Silva, na referida entrevista na Visão “perdeu-se a pureza dos ideais que fundaram a democracia e instalaram-se as relações de patrocinato e de clientelismo”, em que a prática parlamentar, por exemplo, “é a de entroncar a atividade política com a economia”, isto, o grande objetivo é fazer a ponte entre o poder político e o poder económico. Alguns chamarão a isto pragmatismo. A maioria chamará certamente conluio. E é por isso, entre outras coisas, que a maioria não vota.
As elites políticas deviam ser um exemplo. Têm de ser um exemplo. Temos de ter a certeza de que quando elegemos estamos a eleger os melhores de entre nós. Os mais competentes e os mais disponíveis para tomar decisões tendo em conta o bem comum. Quem é eleito e escolhido para governar a coisa política, seja no governo seja na oposição, tem a obrigação moral de deixar às gerações vindouras a possibilidade de tomar as suas próprias opções sem estar amarrado a problemas do passado.
E para isso, acredito, que temos de ter políticos profissionais: gente tecnicamente competente para ajuizar das melhores soluções; para decidir as melhores opções, obrigando-se a fazê-lo com rigor de forma a não comprometer o futuro.
O discurso do antipolítico é típico dos profissionais da política, que abundam por todo o lado, mas não dos políticos profissionais. É destes que precisamos e não dos primeiros. E, a diferença não é só semântica.