Por Carmo Rodeia
Se há coisa que me deixa irritada por estes dias é ter necessidade de ir ao supermercado e perder o dobro do tempo que perderia porque, à hora que o faço, só encontro lojas abertas nos centros comerciais e porque, invariavelmente, as grandes superfícies fazem parte dessas metrópoles do consumo, cheias de multidões famintas, sabe-se lá do quê.
As luzes, o atropelo das pessoas a quererem revirar tudo, as músicas de Natal, tudo isso mexe comigo e deixa-me quase que enjoada e sem ação.
De facto, chegou o Natal das árvores enfeitadas, pejadas de luzes e de enfeites, onde a euforia consumista de uns contrasta com a solidão e a ausência de tudo de outros.
Este fim de semana, acometida por este espirito e acompanhada dos meus filhos, lá fiz também o périplo por algumas lojas à procura do presente ideal para cada um deles.
Como chovia, entrei em dois grandes centros comerciais. Em nenhum deles vi qualquer presépio; apenas um boneco vestido de Pai Natal, gordinho quanto baste, de barbas bem brancas, montado num trenó puxado por renas de plástico (ou esferovite, não sei), carregado de caixas vazias a simular presentes.
Este é o Natal moderno, sem Menino Jesus. Sinal dos tempos, de um tempo empenhado em apagar a História, como tantos outros sinais que todos os dias nos chegam por esse mundo fora. Da América, que parece apostada em semear diariamente o ódio e a guerra de cada vez que o presidente `twitta´ ou da Coreia do Norte que nos presenteia todas as semanas com um novo míssil experimental até que aconteça um verdadeiro desastre. Ou da Polónia onde a extrema direita se afirma ou da Turquia que corta relações com Israel…por causa de Jerusalém se ter transformado para os Estados Unidos na capital do estado judaico, uma cidade santa para três religiões, na qual os cristãos também têm parte da sua história.
Já não há Natal do Menino Jesus.
O Natal foi tomado de assalto pelo vírus da febre das compras e dos devaneios dos políticos. Então o que nos resta?
Peço emprestada ao Pe. Tolentino Mendonça uma reflexão que partilhou na Capela do Rato, no passado dia 3 de dezembro:
“Todos os dias abrimos os olhos, mas não o suficiente
Vemos descontentes a imperfeição e a pedra
Olhamos com desgosto – em nós e nos outros –
o avesso e a costura
e não nos damos conta
que poder observar com amor o avesso
se torna preciosa aprendizagem de caminho
(e que esse caminho nos leva até ao presépio)
Pois aquilo, precisamente aquilo
que hoje identificares como pedra
Deus vem ensinar-te
a transformar em estrela”.
O Advento não é uma meta; é um caminho, que nos prepara para acolher Aquele que vem. Esta preparação passa, necessariamente, por valorizarmos aquilo que é essencial. E, certamente, por muito que gostemos de receber uma oferta, não será isso que nos consolará a alma ou apascentará o coração. Não pode ser só isso. O sentido da vida é muito mais do que o conforto material. Quem sabe se passaria mesmo por sair desse conforto e ir ao encontro do outro, carregando um `saco´de amor, capaz de destruir a solidão de quem acha que apenas precisa de ter.
Na minha casa, o presépio está em construção, preparando-se para acolher o Menino Jesus.