Por Carmo Rodeia
Escrevo este Entrelinhas depois de um fim de semana intenso, mas gratificante, após os trabalhos da grande peregrinação de maio, a Fátima. Grande em todos os sentidos. Fátima voltou a ser o lugar de convergência de uma multidão enorme, qual Babel do século XXI, tal era a diversidade das línguas que se ouviam no Recinto de Oração, que se reuniu com um só propósito: elevar o seu coração a Deus, aconchegando-se no colo de Maria. Por isso, também eu me fiz peregrina nesta grande multidão, aproveitando a companhia de todos os que aqui estavam, aprendendo deles o valor do sacrifico, da disponibilidade para a escuta e do compromisso com uma vida mais consciente de si própria.
A peregrinação não tem de ser muito mais do que isto: circular para lá das fronteiras, que não precisam ser físicas ou territoriais, dispondo-nos a interromper, nem que seja por dois dias, a nossa vidinha cómoda de todos os dias e fazermo-nos ao caminho, seja fisico seja espiritual, com uma única certeza: a de que queremos abrir o coração e escutá-lo, através do perfume da oração, recarregando baterias para um recomeço que valorize o essencial.
No sábado, deparei-me com um grupo de peregrinos, enquanto aguardava oportunidade para passar de carro para a zona do Santuário e vi que um deles, asiático, trazia na mão um bouquet que me pareceu feito de jasmins brancos. Imagino que não fossem naturais, mas veio-me à memória o cheiro desta planta, tão abundante nas zonas dos grandes lagos chineses, que já tive a oportunidade de visitar, e nas terras altas dos himalaias, sempre a precisar de uma sombra e de uma quantidade abundante de água, como todos os peregrinos.
Devo dizer que o jasmim é uma flor delicada pela sua beleza, distribuída pelas cinco pétalas, mas forte na sua presença, quer pela raíz que tem quer pelo cheiro que emana, o que faz dela uma flor inconfundível. É uma das minhas preferidas, senão a que eu gosto mais. Lá para o Oriente, diz a tradição que o jasmim simboliza a beleza, a generosidade, o amor e a esperança. Aliás, entre os elementos do casal é comum oferecer-se um jasmim, flor pura, símbolo da ternura e da fidelidade.
Ora, também a peregrinação deveria ser um momento para uma catequese do coração, aquela que se faz justamente da generosidade, da escuta e da abertura à contemplação, ao gozo e à paz de espírito, numa espécie de iniciação libertadora ao misterioso itinerário da alma para Deus, que é no fundo a meta de todos os cristãos. É uma esperança que se constrói não para um futuro longínquo mas para um presente que nos interpela e convoca a cada momento.
Na peregrinação, sobretudo na peregrinação a Fátima, a meta vai muito para além da Cova da Iria, embora na experiência do peregrino a chegada à Capelinha das Aparições seja um marco. Aqui encontramos o espaço que nos acolhe e a Mãe que nos aconchega mas a meta é sempre outra e para lá chegar o caminho até pode ser árduo mas nem por isso é inacessível. Tenho a certeza! Como naquela história do monge que atravessava vales e montes para chegar à montanha mais alta, e numa noite fria de inverno, aproximando-se uma tempestade, pernoitou numa estalagem. O estalajadeiro ouvindo as suas intenções tentou dissuadi-lo de prosseguir, advertindo-o das dificuldades. Mas ele replicou: “Pus o meu coração lá em cima por isso sei que os meus passos, por muito incertos, chegarão até lá”. Quem sabe se este monge também gostava de jasmins…