Desde o primeiro domingo de Páscoa até à Trindade não há açoriano que não celebre o divino esteja nos Açores ou noutra parte do mundo. A semana entre o Pentecostes e a Trindade é, por excelência, a mais importante no arquipélago. É a semana dos dois bodos e do Dia dos Açores
“Uma coroa, uma bandeira e muita devoção ao Senhor Espírito Santo, porque a Ele nada se nega”. Nesta frase está a síntese do que significa para todos os açorianos, independentemente da sua condição geográfica, social ou até de fé, o culto e a festa do Divino Espírito Santo. Não há freguesia que não o celebre. Particularmente, neste fim de semana em que todas as ilhas, especialmente as do grupo central, se vestem de festa para honrar a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Entre o fim de semana de Pentecostes e o da Trindade são mais de cem os impérios e os bodos espalhados pelas nove ilhas que irão sair à rua com as coroações, os bodos e as funções.
Em cada lugar por onde se passa respira-se um ambiente festivo: as ruas são vestidas de lâmpadas e bandeirinhas, as comissões e os seus ajudantes preparam as mesas para o jantar e, ao cair da noite, as pessoas caminham rumo ao império.
Não há localidade açoriana que por estes dias não viva a festa do Divino. As festas do Espírito Santo fazem parte da alma dos Açorianos.
No Império da Partilha ou do Amor, como muitos lhe chamam, os homens e as mulheres são convidados a viver a utopia da solidariedade, concretizando o sonho de uma sociedade livre, fraterna e feliz.
Dia dos Açores
O dia dos Açores, a designada `segunda-feira da pombinha´ será celebrado no concelho da Calheta, em São Jorge. A sessão solene decorre às 10h30 e contará com a presença da presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, Ana Luís; o Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro e do Representante da República para os Açores, Pedro Catarino.
Na cerimónia, entre as 29 personalidades e entidades distinguidas, estarão a Casa de Saúde de São Rafael, na ilha Terceira e a Casa de Saúde de São Miguel, ambas geridas pelos Irmãos de São João de Deus, bem como a Santa Casa da Misericórdia das velas de São Jorge.
A segunda-feira do Espírito Santo foi escolhida para celebrar o Dia da Região, que este ano se comemora a 10 de junho, na próxima segunda-feira, feriado regional.
Os dias do bodo
O Bodo, na ilha Terceira e os Impérios na ilha do Pico ditam o ritmo do domingo de Pentecostes.
Na ilha Terceira, as festas têm uma força “muito original” e são vividas sobretudo na zona do Ramo Grande, onde a economia continua a ser predominantemente agrária, sendo bastante conhecidos, por exemplo, os impérios da Vila Nova e das Lajes pelo número de pessoas envolvidas.
A capacidade de inserção numa cultura agrária explica, de resto, a sua permanência tão viva nos Açores: a valorização da terra de onde vem o trigo e o milho a partir dos quais se faz o pão, o vinho e a carne, aspetos nos quais se materializam os dons do Espirito Santo.
A peculiaridade principal deste culto no arquipélago é ser popular e desenvolver-se sob a forma de império, com uma forte carga profética e política, sem qualquer pretensão de imitação de papéis ou destituição de poderes.
À volta dos Impérios desenvolvem-se durante vários dias as festividades do Espírito Santo, imbuídas de um ideal caritativo e compostas por um conjunto de cerimónias religiosas e profanas: a “coroação” do Imperador Menino, o desfile de cortejos e o bodo de pão e de carne.
Durante cada semana das festividades veneram-se as insígnias do Divino na casa do Imperador e reza-se o terço à noite perante a coroa e a bandeira. Na sexta-feira, os bois são enfeitados e realiza-se a “procissão do vitelo”. Posteriormente, sacrificam-se os animais necessários para o bodo que o Imperador oferecerá no domingo aos convidados, retalha-se a carne para a sopa, o cozido e a alcatra do jantar e para as pensões a distribuir pelos pobres da freguesia. No sábado faz-se a distribuição de esmolas, compostas de carne, pão e vinho, benzidas pelo sacerdote.
No domingo de manhã realiza-se a primeira procissão, encabeçada pela bandeira do Espírito Santo. Na cerimónia da “coroação”, dentro da igreja, o padre toma o cetro, dá-o a beijar a quem coroa e entrega-lho, e depois faz o mesmo com a coroa, colocando-a sobre a sua cabeça; asperge o Imperador, incensa-o e entoa-se o “Veni Creator Espiritus”. Depois da coroação, a Coroa e a Bandeira vão em procissão até ao Império, de onde saem à noite para outra casa.
É também no domingo que se realiza o bodo ou a “função” para o qual todos são convidados, ricos e pobres, habitantes ou forasteiros. A ementa da “função” é composta pela sopa do Espírito Santo, alcatra, pão, armazenados nos Impérios ou nas despensas, pela massa sovada ou pelas rosquilhas (Pico) e vinho. Os irmãos escolhidos para realizar o bodo designam-se de Mordomos.
As festas do Espírito Santo começam no domingo imediatamente a seguir à Páscoa tendo como ponto alto nas ilhas referidas o domingo de Pentecostes e o da Trindade.
Na ilha Terceira, os impérios prosseguem durante o verão, até ao Império de São Carlos, em setembro.
Na ilha Terceira, o culto do Espírito Santo está documentado desde 1492, data em que já se fazia o Império e se distribuía o bodo, no dia de Pentecostes, à porta de uma capela pertencente ao hospital do Espírito Santo.
A festa constava da missa do Espírito Santo, “coroação” e bodo e, se algum irmão da confraria “tomasse o império” sem ter meios para o desenvolver seria ajudado pelos restantes membros da irmandade.
Quando se instituiram as Santas Casas da Misericórdia na ilha Terceira, a de Angra, em 1495, e depois a da Praia, em 1498, instalam-se nos Impérios do Espírito Santo, acabando por se tornar as responsáveis pela organização dos bodos no dia de Pentecostes, facto que não afetou a criação de irmandades em todas as freguesias destes dois concelhos.
As festas do Espírito Santo nos Açores possuem uma estrutura tradicional comum mas apresentam bastantes variantes entre as várias ilhas do Arquipélago e, dentro da mesma ilha, entre os vários Impérios.
O ciclo das festividades é, no entanto, comum. Este domingo e no próximo vivem-se os bodos e no final do bodo do próximo domingo tiram-se “as sortes” para conhecer os irmãos que vão ficar com as domingas, sete, do próximo ano. Quem tirar a primeira “dominga” ficará com o Espírito Santo todo o ano em Casa, ou seja, a Bandeira e a Coroa ficarão na casa desse irmão, em lugar de destaque, durante um ano.
O Alfenim
Na ilha Terceira, nestas duas semanas, centenas de quilos de açucar são transformados em bonecos para ofertas nos Impérios do Espírito Santo.
O alfenim entregue nos Impérios do Espírito Santo é depois arrematado e o dinheiro reverte a favor das festas, nas quais, para além da animação e da religiosidade, são distribuídos pão, carne e vinho.
O alfenim (palavra que vem do árabe “al-fenid” e quer dizer aquilo que é branco, alvo) é feito apenas de açúcar, água e vinagre, mas se passar do ponto transforma-se em rebuçado. Moldá-lo em imagens fiéis à realidade exige uma técnica que não está ao alcance de todos. O preparado leva cerca de 20 a 25 minutos ao lume e quando atinge o ponto é vertido para uma bacia untada com manteiga, que está dentro de outra com água fria, para ir arrefecendo a massa.
Trata-se de uma receita típica das ilhas Terceira e Graciosa que é confecionada especialmente nesta época mas que se vende também durante todo o ano nalgumas pastelarias da ilha Terceira.
Antigamente, os truques eram mantidos em segredo e até se chegaram a inventar mitos, porque a venda de alfenim era uma fonte de rendimento importante para as famílias, mas hoje já restam apenas meia dúzia de artesãs na Terceira.
A imagem mais comum do alfenim é a pomba branca, que simboliza o Espírito Santo, mas as promessas estão muitas vezes associadas a problemas de saúde, por isso, em momento de aflição, são encomendadas peças de partes do corpo, como pés, pernas, mãos, braços, peitos, gargantas e cabeças de alfenim. Os pedidos mais frequentes são as meninas e os meninos de corpo inteiro, que se adequam a diferentes maleitas e a outro tipo de promessas.
Antigamente, o alfenim era feito apenas pelas festas do Espírito Santo ou para ofertas em casamentos e batizados, mas hoje, já integrado na lista de produtos regionais certificados, é também muito procurado por turistas.
Ilha do Pico: a singularidade do império da Silveira
A festa do Espírito Santo começa este sábado no Pico com o tradicional Império da Silveira, no concelho das Lajes, um dos mais característicos da ilha montanha pela “sua singularidade” de preservar o sábado como dia grande da festa e a presença de foliões.
O voto que deu origem a este Império data de 1720, num sábado, altura em que depois de uma forte crise sísmica se criou o mistério da Silveira. Três anos depois foi erguido o Império que se assume hoje como um dos mais antigos da Ilha do Pico na cronologia do povoamento desta ilha. Todos os anos este Império organiza a sua festa cativando a presença de muitos forasteiros.
Outra particularidade deste Império são as sopas, para as quais toda a população é convidada e participa cantando dando vivas e louvores ao Senhor Espírito Santo, refere o investigador, que sublinha a “importância dos tradicionais cantos da Silveira”. O cortejo sai de casa do mordomo com as várias insígnias (estandartes e coroas), acompanhadas pelos foliões e pela filarmónica, rumo à igreja paroquial onde é celebrada a Santa Missa e a coroação.
Segue-se o almoço de sopas do Espirito Santo, onde se sentam à mesma mesa da partilha os irmãos das irmandades com as suas famílias e todos aqueles que são convidados para a “função” ou “gasto de coroa”, como se diz em algumas freguesias da ilha montanha. Todos são convidados.
A meio da tarde realiza-se a procissão de recolha das rosquilhas ou vésperas que as senhoras trazem à cabeça em açafates ornamentados com artísticas toalhas com os bordados da ilha e com as flores da época. Iguarias que depois, são distribuídas por todos os que passam na festa, que só encerra com o foguete que assinala que toda a gente já foi contemplada com uma rosquilha ou um pão.
Uma das particularidades desta ilha, à semelhança do Faial e de São Jorge (as chamadas ilhas do triângulo) são os estandartes em forma retangular e enrolados numa vara que mantém nos seus quatro cantos uma “flor do lis” bordada, referencia explicita aos primeiros povoadores destas ilhas, os flamengos vindos da Flandres.
Ao todo no Pico realizam-se 45 Impérios, tantos quantas as irmandades existentes na ilha.
Nas festividades deste ano serão oferecidas mais de 20.000 refeições, a maioria no fim de semana de Pentecostes .
Este enorme número de refeições, tendo em conta o número de habitantes da ilha que já não chega a 15 mil habitantes, equivale a mais de 10 toneladas de carne e mais de 20 mil pães, apurou o Sitio Igreja Açores junto dos diferentes impérios da ilha.
Os cortejos processionais e os arraiais são abrilhantados pelas 13 filarmónicas da ilha e ainda pelos grupos de foliões.
Nestas 45 festas além das tradicionais sopas do Espírito Santo serão servidas carne cozida e assada, massa sovada e arroz doce.
Em cada arraial são distribuídas as rosquilhas, vésperas ou pão a todos aqueles que passam pela freguesia.
De referir que as rosquilhas- “reliques”- e o pão são ofertados nos impérios do lado sul da ilha (desde a Madalena até à Calheta de Nesquim) e os bolos de véspera nos impérios do norte da ilha (desde as Bandeiras à Calheta de Nesquim). A Paróquia da Calheta de Nesquim é a única que oferece rosquilhas e bolos de vésperas.
O maior império da ilha (e provavelmente dos Açores) é o da Terça-feira do Espirito Santo na Vila da Madalena, em que são distribuídas cerca de 5 mil rosquilhas, muitas delas partilhadas com forasteiros que acorrem à ilha montanha provenientes do Faial e de São Jorge.
Além destas 45 irmandades, que realizam as suas festas nestes dias, há outras seis que promovem a sua festividade noutras alturas do ano, com coroações, sopas e distribuição de rosquilhas.
A Freguesia do Santo Espírito
Em Santa Maria, estes impérios são normalmente pequenos telheiros nas traseiras das igrejas reservados para armazenar tudo o que está relacionado com a festa e para cozinhar as chamadas “sopas”, distribuídas gratuitamente a quem aparecer.
Se normalmente são as irmandades a organizar os impérios, sendo para tal selecionado um mordomo, em santa Maria é comum os impérios serem utilizados como pagamentos de promessas, por mordomos voluntários.
Assim, as festas podem suceder-se e até repetirem-se nas mesmas povoações, com o mordomo voluntário a pagar as “sopas” – carne de vaca (velha preferencialmente), pão de trigo caseiro (duro), repolho, cebola, banha de porco, hortelã, endro, sal – de preferência acompanhadas por vinho de cheiro. Todos comem, sem exceção.
A freguesia do Santo Espírito é uma das mais características e pitorescas da ilha.