Vigário Geral e Reitor do Seminário são conferencistas, juntamente com uma série de investigadores da Universidade dos Açores
O direito está ao serviço da Igreja e mais concretamente das tradições e do culto do Divino Espirito Santo e deve “servir apenas para privilegiar o bem comum e para prevenir abusos” disse esta sexta feira o reitor do Seminário Episcopal de Angra no Congresso Internacional do Espírito Santo: génese, evolução e atualidade da utopia da fraternidade universal, que termina este domingo em Alenquer, com a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.
Desde a passada quarta feira que investigadores, teólogos, sacerdotes e leigos ligados ao culto do espírito Santo, e repartidos por diferentes sessões que se têm realizado em Lisboa, Coimbra e Alenquer, refletem sobre os diferentes aspetos desta temática que tem hoje como exemplo máximo, enquanto prática ainda viva, o arquipélago dos Açores.
O Pe Hélder Miranda Alexandre é um dos intervenientes açorianos neste fórum, onde também participa o Vigário Geral da Diocese, Cónego Hélder Fonseca Mendes, bem como investigadores da Universidade dos Açores, nomeadamente do Departamento de História e Ciências Sociais.
O reitor do Seminário, doutorado em Direito Canónico, apresentou uma conferência intitulada “O enquadramento jus canónico das tradições e cultos do Espírito Santo nos Açores” a partir de uma análise comparativa da história do culto do Espírito Santo nos Açores na perspectiva da normativa canónica e da disciplina concreta.
Numa primeira parte procurou sintetizar a complexidade do reconhecimento do culto pelos Bispos Diocesanos: os primórdios do séc. XVI, as dificuldades para a aprovação no séc. XVII, aprovações e obstáculos no séc. XVIII, reconhecimento no séc. XIX e as intervenções episcopais do séc. XX, dando “realce a um caso paradigmático e problemático da história mais recente, no tempo de D. Manuel Afonso de Carvalho” no âmbito “estritamente disciplinar”, sem entrar em questões de interesse mais pastoral ou teológico. E, numa segunda parte, refletiu sobre questão da natureza jurídica das Irmandades.
Para o Pe Hélder Miranda Alexandre é notório que no principio do povoamento a principal preocupação da autoridade eclesiásticas era a “da ortodoxia doutrinal e cultual. Por isso, era necessário governar mais de perto as comunidades” intervindo diretamente nas suas práticas. Uma situação que foi sendo progressivamente aligeirada, não por vontade da igreja mas pela progressiva autonomia das comunidades, apesar dos esforços da hierarquia em dominar. Ao ponto da corte Filipina, por exemplo, ter tentado acabar com este culto, “entendido como foco de congregação e resistência aos invasores”. “Na verdade, a resistência à dominação filipina manifesta-se também nestas festividades, nas quais o povo afirmava a sua liberdade. É interessante notar o cariz político que já encontramos nas suas origens e que ainda hoje, com algum aproveitamento demagógico, se faz sentir” afirma o Pe Hélder Miranda.
Durante os séculos XVII e XVIII manteve-se esta necessidade de “regular o culto”, sucedendo-se as diretivas e cartas pastorais a delimitar o âmbito destas festas, no espaço e no tempo.
“Com o tempo, a disciplina vai-se adaptando, tornando-se mais pastoral, mas não menos exigente” precisa mesmo o sacerdote .
Já na história recente do século XX, o reitor do Seminário Episcopal de Angra recorda o contencioso entre as Irmandades e a autoridade diocesana.
“Neste âmbito, vê-se claramente como nem sempre o costume é facilmente aprovado. Os aspectos não conformes ao entendimento do Magistério foram objecto de tentativa de correção, mas sem sucesso. Por isso, o resultado foi o da cisão entre o poder diocesano e as irmandades e os costumes do culto ao Divino” adiantou o responsável, recordando o regulamento das Festas Religiosas promulgado pelo prelado diocesano, D. Manuel Afonse Carvalho, que haveria de alimentar publicamente uma contenda entre a autoridade e as irmandades que chegou a ser debatida em Roma.
De acordo com a reflexão apresentada pelo reitor do Seminário, a melhoria das relações sempre tensas entre as irmandades e a autoridade eclesiástica, ao longo da história dos Açores, só viria a ser conseguida durante o episcopado de D. Aurélio Granada Escudeiro, na segunda metade do Século XX e posteriormente com D. António de Sousa Braga.
Após o pontificado de D. Manuel Afonso Carvalho, “D. Aurélio Granada Escudeiro optou por nunca se pronunciar oficialmente acerca desta questão. Tal ajudou a curar a ferida e a apaziguar os ânimos”, disse.
Percorrendo o episcopado de D. António de Sousa Braga que “opta por intervir teológica e pastoralmente neste culto”, o sacerdote lembra que essa atitude “valorizou os seus aspectos positivos, referindo-se diversas vezes ao Império do Divino Espírito Santo, realçou o valor da religiosidade popular e dos valores da irmandade, e partilha”.
O 38º bispo de Angra, açoriano de nascimento, natural da ilha de Santa Maria onde este culto tem uma expressão muito própria, “reconhece que este culto é um forte baluarte contra o secularismo, visto nascer na comunidade cristã, fundamentada na fundamental igualdade de todos os batizados e não se esgotar na Instituição” salienta o Pe Hélder Miranda Alexandre sublinhando a importância deste reconhecimento para repor alguma normalidade na questão.
A segunda parte da intervenção destinou-se a apresentar questões relacionadas com a natureza estatutária e legal das Irmandades.
A conferência o-direito-no-culto-do-espirito-santo, pode ser lida e consultada na íntegra no Sítio Igreja Açores.
Este sábado usará da palavra o Cónego Hélder Fonseca Mendes com uma conferência intitulada “As festas do Espírito Santo como programa social”.