“Diante do mal porque é que Deus não fala?”, questiona Pilar Damião

Foto: Igreja Açores/PCSJ

Socióloga falou das novas distopias das sociedades contemporâneas a partir de uma série de autores contemporâneos

Pilar Damião afirmou esta quarta-feira que diante de uma sociedade marcada por novas distopias, onde abundam a polarização e a radicalização do discurso no espaço público,  apenas o sentido crítico, os valores e o cuidado do outro podem funcionar como uma espécie de resistência e oposição.

Na 13ª Conversa na Sacristia, promovida pela Pastoral da Cultura da paróquia de São José, em Ponta Delgada, intitulada o “Admirável Mundo Novo: da trivialidade às novas distopias”, a socióloga, professora e investigadora na Universidade dos Açores,  denunciou o que considera serem  “os novos totalitarismos assustadores” que fomentam já não só a passividade e a indiferença mas criam condições para a cumplicidade na assumpção de vários comportamentos distópicos.

“Perante este deficit democrático, marcado por uma esfera pública vazia de sentido crítico, diante dos novos totalitarismos e nacionalismos, é assustador que cada um de nós, nas condições adequadas se possa transformar numa pessoa sinistra” referiu a investigadora ao denunciar aquilo que chama uma sociedade do “star system”, centrada no eu e na autorreferencialidade, sem qualquer “empatia” pelo outro.

“O eu é o centro; a ideia do bem comum dissipa-se; estamos preocupados em mostrar como somos bons, na nossa narrativa do quotidiano e de facto não nos preocupamos com o que está à nossa volta” referiu reforçando a existência de “um alheamento em relação a tudo aquilo que não nos interessa, que está fora de nós”.

“Acedemos à informação, sem sentido crítico; deixamo-nos adormecer e anestesiar pelas  certezas que colmatam os nossos medos e isso só pode ser sinónimo de que nos deixamos manipular”, referiu citando vários filósofos e pensadores uns da atualidade outros do século XX que apresentaram o mal como uma ausência de Deus, como Elie Wiesel, Hannah Arendt, Zygmunt Bauman ou Jurgen Habermas.

“A anestesia moral, o adormecimento das consciências, a indiferença são coisas que me causam transtorno e que não sendo coisas novas- basta recordarmos o que se passou no holocausto, na síria, no Iémen, na Bósnia, o que se passa em Gaz ou no Mediterrâneo- colocam-se hoje de forma diferente mas com a mesma atualidade e pertinência”, disse.

“Temos de ser capazes de não desviar as nossas consciências do que nos aflige; não podemos ficar na indiferença, sem responsabilidade, sem compromisso; os perigos estão a espreitar e nós precisamos de agir”, referiu ainda.

“O mandamento mais importante que ensino aos meus filhos todos os dias é não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, independentemente da cor, da etnia… olha para o outro com respeito. Não toleres só a diferença;  alcançar o respeito e olhar para o outro como igual é algo que ainda não conseguimos” concluiu a investigadora que terminou a sua intervenção com uma “angustia filosófica”: Diante do mal, no passado e no presente, como é que Deus nos fala?

“Como pode Deus permitir o mal? Como pode ter permitido Deus o Holocausto? Porque é que Deus continua calado perante a morte e o profundíssimo sofrimento; se existe o Holocausto e Gaza, Deus não pode existir” rematou lembrando que o conhecimento e a dúvida a têm afastado da religião.

Pilar Damião é Doutorada em Sociologia da Culturaersit, pela Albert-Ludwigs Universität Freiburg e Professora Associada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Açores.

As Conversas na Sacristia são um espaço de reflexão e de debate para todos, de uma Igreja que se abre ao mundo.

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