Deus “sabe” a Vida

Esta é a quinta reflexão do Bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, para a Quaresma de 2014.

IMAGENS DE DEUS (5)

 

Deus “Sabe” a Vida

 

O Deus de Jesus Cristo “sabe” a vida. É vida. Dá a vida. Enviou ao mundo o Seu Filho, para que tenhamos a vida com abundância. Há quem tenha e difunda uma falsa imagem de um Deus, que coarta a vida humana. Para se dar conta disso, basta ler a comunicação social, quando estão em discussão questões fraturantes, que dividem a opinião pública.

 

Afirmava Santo Irineu: «A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é “ver” Deus». Só que, durante a nossa existência terrena, Ele é o Deus “absconditus”, uma presença “escondida”, que só se “vê” com os olhos da fé. Não há prova científica da existência de Deus. A fé não é a conclusão de um silogismo. É “crer sem ver”.

 

Aspeto dramático da nossa fé é, precisamente, o aparente “silêncio de Deus”, no meio das contrariedades da vida e das contradições da história. Parece que Deus “se cala” perante o sofrimento humano. Diante das injustiças e do mau trato de crianças inocentes, vem espontânea a pergunta: «onde está Deus»?

 

Como explicava o Papa Emérito, Bento XVI, «Santo Agostinho dá a este sofrimento a resposta de fé: “Si comprehendis, nos est Deus – se o compreendesses não seria Deus” (Sermo 52, 16)… Na realidade, os cristãos continuam a crer, não obstante todas as incompreensões e confusões do mundo circunstante, “na bondade de Deus e no seu amor para com os seres humanos (cf Tt 3, 4). Apesar de estarem imersos como as outras pessoas na complexidade dramática das vicissitudes da história, permanecem inabaláveis na certeza de que Deus é Pai e nos ama, ainda que o Seu silêncio seja incompreensível para nós» (Bento XVI, Deus Caritas Est, 2005, nº 38).

 

Já S. Paulo nos advertia: «Como é profunda riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus! Como são insondáveis os Seus juízos e incompreensíveis os Seus pensamentos! Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem foi o Seu conselheiro» (Rm 11, 33)?

 

Deus é “totalmente Outro», transcendente: está para além do que possamos pensar e dizer d’Ele. Porque não se pode identificar com nada, neste mundo, manifesta-Se, “escondendo-Se”. Por isso, “ter fé” é “crer sem ver”: confiar e saber esperar.

 

Mas a atitude crente é razoável. As chamadas provas da existência de Deus, formuladas por S. Tomás de Aquino, mostram a razoabilidade da fé. A “Fórmula de Deus” está inscrita no código secreto das leis da natureza e da vida exuberante e inteligente. Olhando à nossa volta, tudo nos fala de Deus. A natureza inanimada é um mostruário fascinante de uma multiplicidade de coisas, que, na sua variedade e harmonia, apelam para a Beleza Suprema. Por outro lado, não é possível contemplar a natureza viva, sem pensar na Fonte da Vida. E maravilha das maravilhas é o ser humano, tanto no corpo como no espírito. Independentemente da imagem que possamos ter de Deus, a vida “sabe” a Deus e Deus “sabe” a vida.

 

Desta feita, «não posso crer numa religião, que não seja defensora da vida neste mundo (da vida real, não de silogismo), como testemunho do dom da vida plena, que confiamos alcançar por graça de Deus. A alegria e as emoções, a invenção e a fertilidade devem caraterizar uma religião, que não se mostre inimiga dos homens e não atraiçoe a obra de Deus» (José Luis Cortés, Um Deus Chamado Abba, Estrela Polar, 2003, p. 110).

 

«Deus é Amor» – diz-nos S. João (1 Jo 4, 8.16). Há indícios claros de Deus-Amor na Criação. Mas, a grande manifestação de Deus-Amor dá-se com a Encarnação do Filho, culminando na Sua Paixão, Morte e Ressurreição, suprema revelação do próprio ser de Deus, que é Amor. Amor que não é simplesmente energia ou sentimento, mas uma Pessoa: o Espírito Santo, que Jesus prometeu enviar e envia, para vivermos como filhos e nos amarmos como irmãos.

+ António, Bispo de Angra

 

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