Por Carmo Rodeia
Esta afirmação lemo-la na Carta de São Paulo aos Efésios, que no essencial diz-nos que Deus ama de tal modo o mundo que nos dá o Seu próprio filho.
No próximo domingo a Igreja celebra o Domingo da Divina Misericórdia. Será o quinto ano depois deste Papa ter proclamado o ano santo da Misericórdia, entre 2015 e 2016.
No Sermão da Montanha, Jesus disse dos misericordiosos que eles receberão misericórdia de Deus e deu exemplos na parábola do Bom Samaritano e na parábola do Credor Incompassivo.
Mas como viver a misericórdia de Deus, num tempo e numa cultura que promove o seu contrário, que nos convida sistematicamente a uma critica constante, pouco construtiva, em que vemos sobretudo o mal, num olhar escuro sobre tudo e todos?
Lembro-me da história daqueles dois monges que, ao começarem a travessia de um rio, encontram uma mulher que lhes pede que, um deles, a carregue às costas. Era um pedido inesperado e que contrariava a regra deles. Mas, diante da insistência, lá o mais novo se inclinou e levou a mulher à outra margem. A mulher agradeceu muito e os monges partiram para o seu destino. O monge mais velho, porém, passou todo o caminho a recriminar o mais novo, lembrando-lhe que tinha quebrado a regras e que o que tinha feito era uma loucura. Até que o mais novo, cansado de o ouvir lhe respondeu: eu transportei a mulher entre as margens do rio e deixei-a. Tu, porém, transportaste-a até aqui”.
Desistir de carregar os pesos de ontem para vivermos o hoje em plenitude é colocarmo-nos na condição de perdoados, porque nos sabemos amados e, consequentemente, parte da experiência da misericórdia de Deus, como nos lembrava há uns anos atrás o então padre Tolentino numa das suas reflexões.
Todos temos as nossas sombras, os nossos fantasmas, os nossos armários cheios de esqueletos. Armários que teimamos em não abrir para ver se os que lá estão não aparecem para nos atormentar. Mas, vivemos atormentados na mesma.
Como poderemos ser testemunhas da misericórdia de Deus para os outros se não começamos nós por arrumar a nossa própria casa, se não nos amamos a nós próprios, cientes do amor incondicional de Deus?
Durante a Quaresma fomos interpelados por várias meditações no sentido de nos tornarmos especialistas em misericórdia. Uns para os outros, sobretudo com aqueles que olhamos com os olhos fundos e negativos. É uma luta, acreditem. Mas ela é necessária e fundamental para conseguirmos uma verdadeira proximidade com Deus, aquela em que o tratamos por tu.
No filme O Convento, de Manoel de Oliveira, a dada altura há um diálogo, entre duas personagens, uma delas a viver uma grande inquietação:
“- Mas o que é que tu tens? O que é que tu tens?
E ela dá esta resposta:
– Tenho saudades de Deus.”
A saudade de Deus quer dizer que o que responde às inquietações do nosso coração é uma medida alta, a medida do amor, a medida da ternura de Deus. Quando a experimentamos, só isso nos basta. Mesmo que os outros não o compreendam.